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    Crónica da Corrida de Toiros em Moura: "Por algo foi..."


    Quando se apregoa uma 'festa com verdade' corre-se o maior risco de todos: o de quão dura pode ser a verdade e de nem todos poderem com ela.

    E na festa dos toiros a verdade é sempre só uma, para o bem e para o mal: "Deus põe, o homem dispõe mas o toiro descompõe".

    Aquando da promoção desta corrida de toiros em Moura, dizia a empresa na publicidade que 'por algo será...' que alguns artistas não têm apetência pelas ganadarias escolhidas. E depois de ver a corrida, atrever-me-ia a dizer que o 'algo' serão as dificuldades apresentadas por um toiro cujas características ainda estão como quer Deus e a Natureza, e ou sai bravo ou sai manso, não sai da corda.

    Em Moura viu-se de tudo: mansos e bravos, vá...um bravo! Mas quando não se viu toiro parecia haver toureiro e quando havia toiro nem sempre o quis ver o toureiro.

    No 'anunciado' confronto: "Silvas x Sommers" foram mais pesadotes os de António Silva mas houve vantagem em comportamento por parte dos segundos, principalmente pelo bravo apresentado no curro dos de Souza d'Andrade, contrastando com o manso perdido que saiu pelos de António Silva.

    E foi com o manso da ganadaria António Silva que a corrida abriu a tarde. Toiro com 540 kg, preto, de córnea aberta, cara levantada, alto e feiote de tipo, que cedo evidenciou a 'rolha' que seria. Tocou a Luís Rouxinol que não tendo levado o 'saca-rolhas', suou as estopinhas montando o Átila para tentar fazer o possível perante o impossível. O toiro defendia-se, levantava a cara no momento da reunião, não perseguia, não se mexia... E o cavaleiro ali andava, a tentar sacar do ofício e tudo ao som da música... Deixou três compridos, dois curtos, sendo o último em sorte violino. E tudo o resto sobre o toiro nos ficou bem explicado pelo sector sombra-sol: "é borrego" e "saíu-te uma caliqueira*". Não deu volta.

    No segundo toiro do seu lote, um Sommer com 500 kg, carbonero de capa, Rouxinol quase que terá rogado pragas ao sorteio. Outro manso de investidas curtas, sempre à defesa, com tendência para se abrigar na tábuas mas ainda assim, com mais possibilidades de ser lidado que o primeiro do seu lote. Luís Rouxinol entendeu isso e mudou a sua sorte! Esforçado em tirá-lo de tábuas, conseguiu fazer-nos crer que o toiro tinha qualidades quando montando a Viajante, aguentou a pouca distância para depois ir acima do toiro deixar a ferragem. Conseguiu empolgar as bancadas que, salvo nas pegas, quase sempre se viram sem momentos que os fizessem levantar dos assentos. Rouxinol rematou actuação com um par de bandarilhas de excelente nota com o toiro a meter-lhe a cara alta depois da cravagem do par. Deu merecida volta.

    Manuel Telles Bastos e João Salgueiro da Costa são dois dos jovens cavaleiros com mais mérito nas nossas praças e daqueles que melhores condições futuras têm para dar continuidade a isto. Só que para isso, é preciso mostrarem-nos do que são capazes. Ontem, em Moura, tanto um como o outro ficaram aquém daquilo que deles esperamos, do que sabem e podem fazer.

    Manuel Telles Bastos lidou em primeiro lugar, um Sommer com 520 kg, de pouca apresentação e força mas com boas condições de lide. O jovem cavaleiro andou desigual nos compridos, para nos curtos nunca se encontrar totalmente na cara do oponente, destacando-se positivamente pelo segundo curto, de boa nota. Teve actuação digna mas que não rompeu.

    O segundo do seu lote, o mais pesado da corrida, um Silva com 635 kg, foi cómodo de investidas, tendo ido a menos após o terceiro ferro. Manuel Telles Bastos voltou a ter uma actuação cumpridora onde mesclou pormenores de boa brega e classe, com sortes onde montando o Rilvas, partia recto ao toiro, consentindo depois abrir muito o quarteio e as reuniões a resultarem atravessadas. Deu volta em ambas.

    João Salgueiro da Costa teve o melhor lote da corrida mas nem sempre se fez evidenciar por cima dos oponentes. O seu primeiro, um burraco da ganadaria Sommer, com 480 kg, justo de apresentação, de nome 'Flamante', que tinha tudo para lhe dar um triunfo de mão beijada, pelo bravo que foi. Depois de o ter recebido com boa brega e ter andado correcto nos dois compridos nos curtos revelou alguma inconstância. Certo das boas qualidades do toiro, assentou actuação em cites de praça a praça, arrancando-se o animal com raça no entanto, nem sempre o cavaleiro consumou a sorte, efectivando passagens em falso naquilo que todos esperávamos ser o ferro da tarde. Não deu volta.

    No toiro que fechou corrida, um Silva com 620 kg, imponente e que foi também ele um bom toiro, Salgueiro da Costa voltou a nem sempre se querer ver e entender com o oponente. Insistindo em partir recto ao toiro, com ligeiras batidas ao pitón contrário, oscilou entre ferros com mérito e outros com reuniões menos ajustadas, algumas passagens e um forte toque que inclusive lhe fez perder um dos estribos. Deu volta.

    Nas pegas, em solitário o Real Grupo de Moura, que excepto na pega que abriu a corrida, não teve grandes trabalhos e superou o desafio. João Cabrita por duas vezes lá foi e a violência do impacto da reunião no segundo intento, acabou por levar Carlos Mestre a dobrá-lo, que tentou suportar tudo sozinho, com o toiro a mudar sempre o rumo da trajectória e o grupo a tardar na consumação e acabando o forcado da cara por não aguentar. Só naquele que era o seu 4º intento, a sesgo e com ajudas carregadas, acabou por consumar. Rui Branquinho efectivou à primeira, novamente com o grupo a comparecer tardiamente; Xavier Cortegano viu o toiro ainda ensarilhar ligeiramente antes da reunião mas ficou sem problemas à 1ª; Gonçalo Guerreiro teve a pega rija da tarde também consumada ao primeiro intento; Cláudio Pereira sem problemas também pegou à primeira; e o cabo, Valter Rico, a dar o exemplo à primeira e numa pega com o grupo coeso a efectivar.

    Dirigiu a corrida o sr. Agostinho Borges, assessorado pelo veterinário Matias Guilherme, numa tarde em que se registou cerca de meia casa.

    Se a corrida correspondeu às expectativas, não de todo. Mas por algo foi...e não deve ter sido por falta de toiro.


    *caliqueira em alentejano = coisa manhosa