Crónica da 1ª corrida da Feira Taurina: "Quem tem fome, sonha com pão"
“Quem tem fome, sonha com pão”,
ou quem é aficionado tem sonhado com toiros e com a retoma da tauromaquia. Uma temporada
que, tradicionalmente se inicia a 1 de Fevereiro, este ano, por motivos
sobejamente conhecidos, começa agora, no início de Maio. E foi em Vila Franca
de Xira que foi levada a cabo a primeira feira taurina deste ano.
Acompanhámos a primeira corrida
da Feira do Toiro na Palha Blanco. Uma tarde de sol, casa bem composta dentro
daquilo que são os limites permitidos e uma hora de início fora do comum – 19h.
O horário pode ter comprometido um pouco o típico ambiente que antecede uma
corrida em Vila Franca. Mas fomos aos toiros, e isso é que importa.
Vila Franca é, talvez, uma das
praças mais exigentes do panorama nacional, e no passado dia 7 não foi diferente.
Com cavaleiros, peões de brega e até (e muito bem) com as regras impostas a
propósito da pandemia no que toca ao facto dos grupos de forcados não poderem
estar na teia aquando da lide do toiro que não lhes toca. De notar que os
forcados são testados e, até agora, não existe explicação plausível para terem
de abandonar a praça porque, tal como foi dito por um aficionado, “o lugar dos
artistas é na teia”.
O cartel era composto pelos
cavaleiros António Ribeiro Telles, Luís Rouxinol e Duarte Pinto; o grupo de
forcados amadores de Vila Franca de Xira e Alcochete. Dos campos de Coruche
vieram os exemplares da ganadaria António Silva.
Comecemos exactamente pelo
interveniente que dá nome à feira e que sem ele nada disto existia: o toiro. Um
curro homogéneo em apresentação, com pesos a oscilar entre os 510 e os 615kg,
nascidos em 2016. Tendo sido autorizada volta à ganadeira após a lide do
terceiro e quarto da tarde, sendo que o quarto foi o que teve melhores
condições de toda a corrida, com uma série de bonitas arrancadas.
Abriu a tarde, e a temporada na
Palha Blanco, o mestre António Ribeiro Telles com o segundo toiro do lote que
lhe calhou em sorte, dado que o primeiro que saiu à arena se lesionou na pata
esquerda e, correctamente, recolheu aos currais. O mestre da Torrinha, no seu
tom clássico e habitual, bregou-o com sabedoria e deixou de forma correta a
ferragem comprida. Após a colocação do primeiro curto foi premiado com música.
O oponente que acusou 570kg na balança desligava-se com facilidade, mas a
sabedoria de António Telles sobrepôs-se e realizou uma lide de qualidade, sem
“floreados”, tal como é seu costume. Com o seu segundo toiro, a lide foi em
crescendo. O conhecimento e a grandeza do toureiro em praça fez com que os dois
intervenientes – cavaleiro e toiro – se mostrassem na sua plenitude, enchendo a
Palha Blanco de emoção, tal como se quer. As vantagens foram dadas ao toiro,
cites de praça a praça e reunião cingidas. A música fez-se ouvir logo após a
colocação do primeiro curto, mas foi o último que foi de melhor qualidade. Vila
Franca ainda pediu por mais mas o cavaleiro não fez a vontade. Fica para a
próxima!
Luís Rouxinol teve duas lides
distintas em Vila Franca. Frente ao primeiro, de 580kg, que perseguiu a montada
a galope e de forma nobre, Luís Rouxinol ligou-se com facilidade ao toiro ao
público na brega fazendo uso das capacidades do seu cavalo Douro. O cavaleiro
foi gratificado com música também depois da colocação da primeira ferragem
curta. A lide foi ao seu estilo, culminando num ferro de palmo e num par de
bandarilhas que, infelizmente, à primeira tentativa não ficou bem colocado e
isso prejudicou um pouco o ritmo da lide. Com o segundo do seu lote, Rouxinol
recebeu em sorte gaiola, mas o exemplar de António Silva era andarilho e
desligado e a lide decorreu sem romper, tendo o cavaleiro se esforçado,
passando em terrenos de dentro para deixar a ferragem, mas a consentir alguns
toques na montada. Nesta lide não lhe foi autorizada volta.
Duarte Pinto teve, infelizmente,
uma passagem discreta pela Palha Blanco. A primeira da tarde, frente a um
exemplar de 615kg não teve grande sabor. Não começou da melhor forma, tendo o
cavaleiro consentido vários toques na montada, e as sortes a resultarem
desajustadas. Duarte Pinto esforçou-se, mas a lide não rompeu, ficando pouco
para contar. O segundo que lhe coube em sorte, e último da tarde, foi,
inicialmente, lidado à pressa (talvez a vontade de ir jantar tivesse falado
mais alto, já passava das 21h…). Nos curtos a qualidade na colocação dos ferros
subiu de tom mas não foi suficiente para convencer a afición da Palha Blanco.
Melhores tardes virão!
No que toca às pegas, pelo grupo
da terra, foram para a cara do toiro Luís Valença Cardoso que concretizou (e
bem!) à segunda tentativa, depois de ter visto desfeito o seu primeiro intento
quando o toiro “fugiu” ao grupo e não conseguiu consumar; David Moreira à
terceira e já com ajudas carregadas, mas mesmo assim com o toiro a “furar” pelo
grupo adentro, após não ter suportado os derrotes da sua segunda tentativa e a
brusquidão da arrancada do toiro no primeiro intento; e Guilherme Dotti que se
fechou com um belo par de braços à segunda tentativa, com o toiro a desviar-se
do grupo tendo o forcado ficado sozinho na cara do toiro. Vila Franca aplaudiu
de pé. Pelos Amadores de Alcochete saltaram para a cara Vítor Marques que se
fechou decidido à segunda tentativa com o grupo a ajudar coeso e eficaz, não
tendo suportado os derrotes no primeiro intento; João Belmonte que concretizou
a pega à primeira tentativa tendo tido uma grande primeira ajuda e depois todo
o grupo a fechar – o primeiro ajuda foi chamado à arena; e Manuel Pinto que viu
as duas primeiras tentativas desfeitas por derrotes violentos, fechou-se à terceira já com ajudas carregadas mas com o toiro a tentar “desfazer” o
grupo.
Tiago Tavares dirigiu de forma
correta e com critério a corrida de toiros.
As saudades já eram muitas, a fome de toiros falou mais alto e ainda bem que voltámos ao lugar onde somos felizes. Espera-se que seja a primeira de muitas desta temporada de 2021.
Lisa Valadares Silva