Entrevista: Bombero Torero
1. O Jaime foi o único português que fez parte do espectáculo cómico-taurino “Bombero Torero”, desempenhando a personagem “Tótó de Portugal”. Como é que lá foi parar e durante quanto tempo participou nos espectáculos?
JA- Foi através do Comendador Humberto Pardal. Eu tinha o meu espectáculo em Portugal e as coisas corriam bem. Tinha toureado no Carnaval na Nazaré a 5 de Fevereiro de 1989 e na quarta-feira por insistência do Comendador apresentei-me na sua quinta em Alcolombal – Terrugem (Sintra).
Depois de terem actuado no Campo Pequeno no Domingo e na Terça-feira de Carnaval os responsáveis do espectáculo “El Bombero Torero”, o Jesus Gil, o Manolín acompanhados pelo matador de toiros Álvaro Amores visitaram a quinta do Comendador.
Nos curros do tentadero havia várias novilhas para o matador Álvaro Amores e no final o Manolín (El Bombero Torero) pediu-me se eu toureava uma novilha para sua observação. Assim foi. Acabei convidado e contratado para ingressar no espectáculo. Estreei-me em Maio, no dia 28 em partida “doble” Córdoba pela manhã e Lora del Rio pela tarde. No segundo espectáculo estreei-me a matar o meu primeiro novilho e tudo correu bastante bem. O espectáculo foi sempre muito fechado em relação a toureiros estrangeiros. Ao longo da sua história participaram colombianos (D. Rodrigo de Colômbia e Pepino de Colômbia) e um português que foi o meu caso.
Dos anões quase sempre espanhóis e colombianos.
2. Entretanto passou a ser representante do grupo em Portugal.
JA- Durante anos o espectáculo foi representado em Portugal pelo saudoso Alfredo Ovelha. A sua representação já vinha do tempo de D.Pablo Celis, (o primeiro Bombero Torero ) pai de Eugénio e de Manolín e manteve-se ao longo dos anos mesmo durante o período em que Alfredo Ovelha já se encontrava doente. Um dia convidaram-me a representar o espectáculo em Portugal mas com uma condição, apenas após o falecimento de Alfredo Ovelha. Enquanto o mesmo fosse vivo respeitaríamos a sua condição de representante em Portugal, e eu não iria intervir na contratação do espectáculo.
Após o seu falecimento passei a representar o espectáculo já lá vão alguns anos e mantenho-me até hoje. Estreei-me num Domingo de Pascoa em São Manços.
3. Assim resumidamente qual é a história da formação do “Bombero Torero”?
JA- D.Pablo Celis foi o criador da personagem ‘El Bombero Torero’. Começou a trabalhar aos 13 anos nos teatros de Madrid, cidade para onde veio viver com a sua família, oriunda de El Tajo pequena povoação da província de Santander. Bem cedo iniciou-se no mundo dos toiros participando em capeas e vacadas.
Pronto começou a actuar como toureiro cómico imitando a Charlot, o que era muito usual na época.
No teatro Novedades em Madrid conheceu um bombeiro que diariamente estava de piquete a esse recinto de espectáculos. Ficaram amigos e D.Pablo decidiu imitar o seu colega quer na indumentária quer no largo e típico bigode. Estava criada a figura do Bombero Torero.
Profissionalmente estreou-se em Madrid no decorrer de um festival em benefício das crianças russas refugiadas em Espanha durante a Primeira Grande Guerra Mundial.
Os êxitos foram-se acumulando e a 18 de Julho de 1930 apresentou-se em Sevilha com tal êxito que foi repetido passados cinco dias com o cartaz de lotação esgotada.
Durante a Guerra Civil Espanhola refugiou-se em França tendo mesmo actuado vestido de “luces” no país gallo.
Regressou a Espanha em 1938 para dar continuidade ao papel que lhe tinha dado uma enorme fama.
Em 1953 juntamente com os seus filhos Eugénio e Manolín e na companhia do toureiro cómico Laurelito incorpora oito anões toureiros ao seu espectáculo debutando em Orân no Norte da Argélia.
O êxito foi tal que se mantêm até aos dias de hoje.
Após 43 temporadas no activo D. Pablo Celis retirou-se em Bogotá, continuando a figura de El Bombero Torero a cargo de D. Eugénio Celis e mais tarde de D. Manuel Celis. Actualmente é o seu neto Carlos Celis quem desempenha tão popular figura.
Algumas figuras do toureio passaram pela parte séria do espectáculo como foram os casos de Antoñete, Manzanares, Niño de la Capea entre outros sendo que Angel Gomez Escorial foi o último matador de toiros a sair fruto da parte séria do espectáculo.
4. Como é o dia-a-dia de quem ‘vive’ o “Bombero Torero”?
JA – Centenas de quilómetros, muitas viagens, algumas alucinantes como tourear um dia á noite em Málaga e no outro dia estar anunciado em Pontevedra ou, talvez a mais distante e dura, no ano em que actuamos em Paris ao final do dia e no outro dia estarmos anunciados para Granada onde chegamos quase sobre a hora do começo do espectáculo.
De resto o nosso quotidiano era preparar o espectáculo, escolher os novilhos, dar um toque à nossa roupa e tourear.
Quando não estávamos em plena temporada, treinávamos como toda a gente normalmente na Casa del Campo, pois nos anos em que estive no Bombero a sua “sede” era em Madrid. Actualmente a mesma está em Valência.
5. Este ano, anunciaram um novo apoderamento em Espanha, mas também um espectáculo renovado. Quer-nos levantar um bocadinho o véu e contar que novidades se poderão encontrar em relação a anos anteriores?
JA – Efectivamente. Curro Escarcena é o novo apoderado do espectáculo. Um grande amigo que conhece bastante bem o Bombero Torero. Essencialmente o espectáculo vai ser muito interactivo com o público em geral e em particular com os mais novos. Vamos tentar que tomem contacto pela primeira vez com o “mundillo” de uma forma simples e divertida. Creio que vamos ter sucesso com o espectáculo de 2011.
6. Independentemente da parte cómica, poderemos assumir que todos os intervenientes se assumirão um bocadinho como toureiros não? Pelo menos coragem para se meterem à frente de uma rês brava não lhes falta…
JA – A nossa designação profissional é “Toreros cómicos” e creio que está todo dito. Sentimo-nos toureiros, vivemos em “toureiros”, somos “toureiros”. Desiluda-se quem pensa que para chegar a toureiro cómico basta ter alguma mímica, graça e uma dose de loucura “quanto baste”.
7. Existe ainda uma parte ‘séria’, onde participam novilheiros e, ao longo destes anos, foram muitos os actuais toureiros de topo que por lá passaram. Quer-nos recordar alguns nomes? E que nomes actualmente actuam nessa parte?
JA – Como já referi anteriormente, muitos foram os que se iniciaram na parte de séria do espectáculo. Numa época em que ainda existia a denominada parte séria, que normalmente era composta por dois jovens novilheiros e dois bandarilheiros estes viajavam com o espectáculo durante toda a temporada. Com o aparecimento das Escolas Taurinas, espalhadas por toda a geografia espanhola o espectáculo deixou de ter parte séria fixa, pois normalmente esse espaço passou a ser ocupado pelos alunos mais adiantados das escolas taurinas da zona. Por exemplo, muitos foram os jovens novilheiros da Escola Taurina de Sevilha que actuaram no Bombero Torero pois anualmente toureávamos bastante por toda a Andaluzia.
No tempo em que toureei no Bombero Torero passaram pela sua parte séria, uns mais outros menos, El Javi (na actualidade Sanchez Vara) José António Maqueda, Paco Ortega (sobrinho de Ortega Cano) e Angel Gomez Escorial com quem mais privei e com quem mantenho uma grande amizade traduzida numa ligação familiar e na sua representação em Portugal.
Em virtude de actualmente estar proibida a morte com estoque dos novilhos desapareceu a parte séria, neste tipo de espectáculos.
8. Acha que actualmente, ainda existe público para este tipo de espectáculos, ou nota algum decréscimo no número de solicitações por parte das empresas taurinas e desinteresse por parte do público?
JA- Desinteresse por parte do público confesso que nunca senti. É obvio que os tempos são outros e as ofertas de ocupação e diversão para os mais novos são enormes quer em qualidade quer em quantidade. No entanto não deixa de ser curioso o facto de que nas localidades onde o espectáculo está enraizado mormente nas suas feiras taurinas o público continua a participar. Deixo só um exemplo. O Bombero Torero participa ininterruptamente nas feiras taurinas de Granada e de Huelva sempre com muita participação de público.
No entanto vários factores abalaram a contratação mais activa deste espectáculo no decurso de uma temporada.
Em finais dos anos 80 surgiram em Espanha vários espectáculos equestres, recordo-me por exemplo de “Como bailán los Caballos Andaluzes” que passaram a ocupar as nossas habituais datas, (a abrir ou a fechar feira). Os espectáculos cómicos “tremeram” um pouco mas mantiveram-se com algumas dificuldades. No entanto esse período foi fatal para os espectáculos mais pequenos que acabaram por desaparecer.
Já em finais dos anos 90 outro fenómeno fez concorrência aos espectáculos cómicos, um espectáculo caracterizado como “popular e regional” mas que ao longo dos anos tem captado centenas de seguidores. Refiro-me aos “Recortadores”. Também esta manifestação taurina passou a ocupar as nossas habituais datas e as poucas troupes-cómicas ressentiram-se no número de actuações.
O Bombero Torero resistiu a estas duas etapas e de novo volta a ser contratado por inúmeras empresas até porque na actualidade é a única manifestação taurina dedicada especificamente aos mais novos. É nesse sentido que este ano criamos um espectáculo mais interactivo com os mais novos.
Creio que é essencial que os mais novos tenham contacto com o mundo do toiro o mais cedo possível e este tipo de espectáculo é o mais indicado.
Repare, no dia 1 de Junho – Dia Mundial da Criança – todas as manifestações culturais abrem as suas portas aos mais novos, cativam-nos para as suas áreas. Em termos taurinos é raro ver qualquer actividade. Por exemplo porque é que as Câmaras Municipais responsáveis pelos concelhos taurinos não aproveitam esse dia para levar os mais novos ao encontro da Festa. Podiam-se realizar largadas de bezerras nas localidades com essa tradição (Angra do Heroísmo no decorrer das Sanjoaninas já o faz ) os grupos de Forcados podiam efectuar treinos para os mais novos, as ganadarias abrirem as suas portas a visitas de estudos, e as Edilidades com tradição taurina contratarem este tipo de espectáculo para gratuitamente esgotarem qualquer praça de toiros.
São tudo pequenos exemplos, como de uma forma simples mas prática, podemos levar a Festa junto dos mais novos. E actualmente, garanto, é essencial que isso aconteça.
9. Relacionamos o seu nome ao toureio cómico, mas o Jaime como apoderado dirigiu as carreiras do cavaleiro Rui Santos, do matador “Parrita” e acabou por dar a Portugal e em especial aos Açores um matador de toiros no caso o Mário Miguel. Quer recordar essa etapa ?
JA- O facto de me ter tornado apoderado principalmente de Mário Miguel, foi um passo natural pois eu era o seu moço de espadas e entre nós havia uma cumplicidade muito grande.
Senti-me honrado quando ele me pediu para o apoderar e ajudá-lo a atingir a tão desejada alternativa de matador de toiros.
Percorremos esta etapa a “moda antiga”, independentes e ganhando novilhada após novilhada. Foi assim o percurso do Mário Miguel.
Recordo-me que quando nos apresentamos em França, ninguém nos conhecia e, principalmente em Bayona fomos ganhando o nosso espaço com o apoio do matador de toiros português Filipe Martins
Não foi fácil mas hoje orgulho-me de o ter conseguido. Percorremos juntos uma caminhada bastante difícil.
10. Para terminar, exceptuando a representação do Bombero Torero, qual é a sua relação com a Festa de Toiros em Portugal.
JA- Reconheço que me auto-exclui da nossa festa. Parafraseando “esta não é a Festa de toiros que eu conheci”. Tenho dificuldade em entender e reconhecer o estado em que a nossa festa sobrevive.
Anualmente assisto a vários espectáculos mas a maioria no país vizinho principalmente em Madrid onde me desloco com frequência.