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    O FADO E AS TOURADAS


    Por Prof. Sebastião Valente

    A CULTURA E A TRADIÇÃO PORTUGUESAS

    Numa altura em que as nossas mais profundas tradições estão cada vez mais ameaçadas por ideias puritanistas vindas do exterior e que começam a ter algum eco cá dentro, veio-me ao pensamento abordar aqui, hoje, uma faceta da nossa raiz cultural que é a ligação íntima que existe, desde longa data, entre o FADO e a FESTA DE TOUROS.

    São inúmeros os textos e telas que encontramos, quer nas bibliotecas quer nos museus, e que retratam esta cumplicidade ancestral entre duas das nossas mais populares expressões artísticas.

    Desde o século XIX em que o Fado era cantado fora de portas e em tabernas de frequência duvidosa, depois das Esperas de Touros e em que as gentes do povo se confundiam com a fidalguia numa manifestação de democrática convivência. Exemplo perfeito desta simbiose foi a ligação de D. Francisco de Paula de Portugal e Castro, 13º Conde de Vimioso e exímio guitarrista a Maria Severa Honofriana, a célebre cantadeira ainda hoje símbolo imortal do Fado dessa época. A este (Conde de Vimioso) poderemos atribuir a autoria moral do Fado ter transposto as portas das tabernas e, ter entrado nos salões aristocráticos, o que sem dúvida o valorizou substancialmente, dando-lhe um mais importante estatuto social.

    Muitas eram as letras de Fados que faziam alusão à Festa de Touros, desde os tempos do Rei D .Miguel grande aficionado e igualmente amante da boémia que ao tempo lhe estava associada.

    Também o 4º Conde de Anadia D. José Maria Quifel Barbarino era grande amante daquela que é hoje intitulada a CANÇÃO NACIONAL pelo que, com frequência, os guitarristas, cantadores e cantadeiras entoavam

    Fados com letras e músicas que a ele eram dedicadas.

    Após a morte do Conde da Anadia o Fado com o seu nome foi um sucesso de tal modo que, mais tarde veio a ser interpretado por essa grande SENHORA DO FADO que foi D. MARIA TERESA DE NORONHA. O nosso REI D.CARLOS, que era famoso guitarrista, com frequência comparecia no Camarote Real para assistir às Corridas de Touros.

    Essa progressiva penetração nos nobres salões continuou durante toda a primeira metade do século XX sendo então catapultado para os mais famosos Palcos do Mundo, desde o mítico Oyimpia de Paris até às grandes salas de Espectáculo do Japão interpretado pela voz inconfundível da Grande Diva que foi Amália Rodrigues.

    Raros terão sido os grandes nomes fadistas que, até hoje, não interpretaram Fados com letras dedicadas à Festa de Touros. D. Vicente da Câmara, e sem desprimor para nenhum dos outros, foi um dos que não podíamos esquecer.

    Ainda hoje não há Tertúlia que se preze que não inclua nas suas reuniões uma boa sessão de Fados o que fica sempre bem, anima o ambiente e dá um certo casticismo ao evento.

    Embora não tenhamos nada contra o que vem lá de fora constatamos que, por vezes , também são incluídas nestas reuniões sessões de danças Sevilhanas que já têm chegado mesmo a abrilhantar o inicio de Corridas genuinamente à Portuguesa.

    Que saibamos, nunca vimos nem ouvimos Cantar o Fado numa Caseta da Feira de Sevilha ou do Gerez, num Botequim de Olivença ou Mérida, num qualquer lugar onde celebrem as Festas Colombinas de Huelva. Vemos sim, e profusamente, manter a sua tradição cantando e dançando à boa maneira da sua terra. Nisso os nossos vizinhos não têm rival.

    Por isso, e numa altura em que tanto se liga a Festa de Touros às mais profundas raízes culturais das nossas gentes, tenhamos muito cuidado com os estrangeirismos. Mantenhamos e divulguemos aquilo que é nosso para não corrermos o risco da globalização nos engolir aquilo que temos de melhor neste capítulo.