Header Ads

Feito com Visme

  • Últimas

    O alfaiate do Biscainho que foi incentivado pela família Ribeiro Telles : Manuel Marques veste a maioria dos cavaleiros portugueses

    CORUCHE (O MIRANTE) .- Uma casaca “simples” custa 1500 euros. Se for bordada com um fino arame dourado (canotilho) o valor dobra para 3000 euros. Foi o Mestre David Ribeiro Telles quem incentivou o alfaiate a apurar a sua arte.
    A arte de Manuel Marques está exposta na maioria das corridas de toiros à portuguesa. São raros os cavaleiros que não são vestidos pelo alfaiate do Biscainho, Coruche, que há mais de 30 anos se dedica a confeccionar o traje completo dos artistas e decora os cavalos valorizando o encanto das cortesias e das lides. “Faço a casaca, o calção, o tricórnio (chapéu), a camisa, o colete e os arreios de cortesia para o cavalo. Só não faço as botas e o cavalo”, explica com o bom humor que o acompanha há 75 anos.
    António Telles, cavaleiro que comemora 25 anos de alternativa na terça-feira, 7 de Outubro, em Vila Franca é um dos modelos do alfaiate dos toureiros. Foi o pai de António, Mestre David Ribeiro Telles, que incentivou o Manuel Marques a aperfeiçoar o talento e a seguir a sua vocação. “A amizade que criámos ajudou a desenvolver esta actividade. Fui influenciado por ele.”, revela o alfaiate que descobriu a vocação quando tinha 12 anos com um acordeonista que era alfaiate e que também lhe ensinou a tocar aquele instrumento.
    Aos 17 anos deixou o acordeão e pegou no cetim, no giz, na tesoura e no ferro de engomar. “Admirava muito o senhor e achei que esta era a minha profissão. Fui aprender para a Academia Maguidal, em Lisboa. Tinha 250 alfaiates”, revela.
    A primeira casaca que concebeu foi para João Palha Ribeiro Telles, filho de David e irmão de António. Gastou 100 horas de trabalho e cobrou 25 contos. Hoje uma casaca igual custa 1500 euros (300 contos). Se for bordada a canotilho, com um arame dourado, custa o dobro. Manuel Marques recorda que a casaca era vermelha e foi estreada numa corrida em Algés. O nervosismo da estreia não se apodera apenas dos que têm de lidar os toiros. Manuel Marques também sentiu arrepios na espinha.
    Na altura de entregar a casaca ao cavaleiro, descobriu uma mancha no tecido, que lhe tirou o sono. A solução encontrada foi molhar a casaca por inteiro para disfarçar. A água utilizada abençoou a profissão de fé, o talento e uma amizade com a família Telles que perdura no tempo.
    A casaca vermelha em cetim foi a primeira de dezenas de variadas cores. No atelier estão fotos de autênticas peças de arte colocadas nos corpos de Luís Miguel da Veiga, Luís Rouxinol, João Salgueiro, entre muitos outros. As cores mais usadas são o vermelho, o azul, o verde e o bordeaux, mas também há cavaleiros que pretendem inovar e por isso a paleta das cores oferece mais de uma centena de opções.
    Ana Batista e Sónia Matias também são clientes e amigas de Manuel Marques e não é por serem mulheres que são mais exigentes. As casacas delas são rigorosamente iguais às dos homens. Sónia Matias já sugeriu ao alfaiate algumas mudanças. Manuel Marques acompanha os desejos da cavaleira de Samora Correia, mas sem desvirtuar a tradição iniciada na casaca solta de Luís XV e que sofreu várias evoluções.
    A modernidade trouxe mais liberdade ao criador e o computador facilitou a vida nos bordados, mas o alfaiate, que recusa ser tratado como um artista, não gosta de exagerar nas mudanças e continua a inspirar-se nos modelos dos seus antecessores: Alberto Armindo e Rosado e Pires. Alguns bordados são feitos numa máquina instalada em Alverca, mas há clientes que preferem os bordados feitos pelas mãos hábeis das bordadeiras que ainda colaboram com o mestre Manuel Marques.
    O alfaiate não faz só peças novas também repara as casacas rasgadas pelas investidas dos toiros como aconteceu recentemente com António Telles. Alguns toureiros a pé também passaram pela alfaiataria do Biscainho. Manuel Marques tinha de recorrer a um parceiro em Saragoça (Espanha) para fazer os trajes e como a clientela não abundava acabou por desistir dos trajes de luces, capotes e muletas. “O nosso forte é o toureiro a cavalo. Não tinha mercado para com o toureio a pé”, refere.
    Filho de agricultores, gente de trabalho e luta, Manuel chegou a costurar 12 horas por dia durante sete dias da semana. “Fiz muitos sacrifícios, mas também ganhei o meu dinheiro. Hoje tenho uma vida desafogada porque aproveitei em bom tempo”, revela o alfaiate que diz ser formado em ‘economicismo’. “É a ciência que ensina a poupar para amealhar”, acrescenta com um sorriso. Manuel Marques quer trabalhar até sentir que tem capacidades. Receia que não apareçam novos alfaiates porque “os mais novos não se esforçam por aprender e aproveitar uma oportunidade” de fazerem uma carreira.
    Crise obriga cavaleiros a poupar nos trajes
    Não se pense que a vida dos cavaleiros são só cortesias. A crise económica também afecta os toureiros e obriga-os a reduzir as despesas. Em vez de fazerem duas casacas por ano, fazem uma e alguns repetem as do ano anterior. “Eles têm muitas despesas ao longo do ano e estão muito tempo sem ganhar”, explica Manuel Marques.
    O menor volume de trabalho não preocupa o alfaiate. “Tenho mais tempo para fazer as peças, posso fazê-las com mais gosto. Já não trabalho tanto de afogadilho”, refere o costureiro que nunca rejeitou trabalhos aos seus clientes. Manuel Marques trabalha essencialmente para toureiros mas também veste homens da alta sociedade. Banqueiros, empresários, políticos e diplomatas são visita da ‘Alfaiataria Marques’. Um atelier simples, à beira da Estrada Municipal 515, que liga Benavente ao Biscainho. Manuel Marques trabalha com a esposa Margarida que é o seu braço direito e a sua confidente há mais de meio século. É um homem que adora conversar e passa horas a falar.
    A conversa com O MIRANTE é interrompida por um telefonema de uma jornalista que tenta convencer o mestre a ser entrevistado no programa Praça da Alegria na RTP. Manuel Marques insiste em adiar a conversa e pede mais um tempo para acabar algumas casacas que gostaria de mostrar ao mundo. “Para ir à televisão dizer e mostrar o mesmo, não vou. Tenho de ter novidades”, justifica.