Crónica de Moura - "Extremamente Desagradável"

NATURALES
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A aplicação extrema de um termo como “desagradável” sugere à priori o interesse e a curiosidade das causas para esse efeito, comumente interligado a algo errado ou que na sua execução/ação, explane uma situação de desagrado e desconforto.

Com a devida vénia, Joana Marques, reconhecida humorista e radialista nacional, construiu sob este mesmo título um espaço de crítica satirizada a uma sociedade recheada de egos e non-sense, que, ora por ridícula/descabida, ora por perigosa/sem noção, levou a autora a expor esses momentos de forma contínua e muitas vezes sob uma alçada interventiva e necessitada para um mundo cada vez mais confuso e em colisão de ideais e maneiras.

Curvando-me de novo perante a humorista, e após ler o que a “crítica especializada” (em versão rádio é mais fácil perceber a ironia, ganhas nisso Joana!) escreveu e comentou sobre a Corrida de dia 17 de julho por ocasião das Festas de Moura, a minha vontade em roubar um bocadinho do Extremamente Desagradável, é muita. Se é mais complicado ou mais acessível por se tratar de um nicho específico (a tauromaquia, os taurinos e o público), não sei; em termos de receptividade alheia espero o mesmo que a Joana, mas não sou patrocinado por uma seguradora, por isso escrevo para quem entende e tem uma visão e mentalidade desamarrada e que ainda procura saber o que aconteceu com algum critério, mesmo que satirizando de maneira interventiva.

Triunfos em Moura? Da empresa, que encheu a praça, comprou um curro sério, e deu parecer positivo para os homens da fotografia fazerem o seu trabalho de um local onde achassem justo. E isto falando por mim, que prefiro manter-me pela escrita porque comprar uma máquina e andar a correr pelas trincheiras, para além de batido, é muito mais fácil. O boi é preto, os toureiros compram fotos e são amigos, e ainda há umas gajas jeitosas na bancada ou um ou outro velho que ninguém conhece mas que é muito porreiro porque tem um casaco de pele. Quem não quer?

Depois da empresa, um curro sério de Veiga Teixeira, sem exageros, com trapio e morfologia para Moura. Os mais pesados não têm de ser os melhor apresentados, ok Portugal das Touradas? Depois dos Toiros, três grupos de forcados alentejanos que estiveram valentes e com mérito, a transparecer mais facilidade do que a real. E depois, uma palavra a Agostinho Borges, que é provavelmente o Diretor com mais corridas dirigidas no ativo (isto dentro daquilo a que tenho acesso, caso contrário, corrijam-me com todo o gosto), e que aliado a isso é um dos mais benevolentes e acessíveis na hora de conceder música, voltas, ferros, tentativas, e será portanto, um dos que menos “molesta” a obra de quem está em praça. Na primeira lide de Andrés Romero, foram cravados mais do que um ferro após mais do que um aviso, e os últimos dois, a que não vi o Diretor aceder, para além de desnecessários, só trouxeram malefícios ao toiro e à lide do Toureiro, que passou em falso em várias ocasiões, perdeu-se o ritmo da lide, a conexão com o público e o esfriamento de algo comum até aí. No quinto quis fazer o mesmo, sem que nada o justificasse, mas Agostinho não permitiu, e é com esta autoridade que se deve dirigir uma corrida. O público deve ser soberano quando a razão assim o ditar. Quando insiste em algo injustificado, deve ser o Diretor, os aficionados, e a crítica, a alertar e cultivar o público a pedir algo mais quando esse mais for sinónimo de bom e razoável. O público que chamou “Oh urso” a Agostinho Borges provavelmente não sabe de regulamento ou da lide de um Toiro, de cuidar as suas características porque a seguir ainda tem que ser pegado e ainda recolhido… Falamos do tempo de demora que os três primeiros toiros levaram a ser recolhidos? Pessoal da porta dos curros a baixar-se na trincheira para bem da recolha, ao mesmo tempo que Toureiros, apoderados, gentes da festa, e até bombeiros a fazer diretos, se mantinham na trincheira em pose de balcão. Não se sintam indignados quando lerem (se o lerem), metam a mão na consciência e aceitem a verdade, só com ela melhoramos, depois de errarmos. Ou então sintam-se indignados, se ao fim ao cabo o que se fala bonito e o público bate palmas… vamos à corrida propriamente dita, que às tantas eu é que estou mal.

35 Anos de Alternativa assinalam o ano para um dos mais queridos toureiros da História do Toureio a Cavalo em Portugal, Luís Rouxinol. Profissional, sempre, mais distante do fulgor de outros tempos, potenciou um Teixeira sério (que abriu praça), exigente, a mais, com casta e raça, que pedia cara a cara e poder. Não foi gentil nem bonito nos capotes, mas sentia-se na arena e queria disputar a lide com um Rouxinol que não conseguiu aproveitar a transmissão do oponente, salvando um palmo que não tirou a sensação que podíamos ter visto mais. O que fez quarto da ordem, uma estampa e beleza de Toiro, negro listón com um tipo fantástico, cara engatilhada e uma conformidade exímia, não teve os mesmo atributos comportamentais. Não houve simbiose entre toiro e toureiro, apenas dignidade e profissionalismo de Rouxinol numa lide com um toque violento e um bom par de despedida.

Andrés Romero lidou primeiramente um Teixeira rematado, de cara baixel e curta, também ele negro à semelhança dos seis lidados nesta noite, sem fijeza e menos enraçado, mas voluntarioso e com opções. Compridos sem colocação, curtos sem morrilho à vista, e quando com um quiebro imponente e cingido a curtas distâncias, ganhou o público, perdeu-o com o tempo para cravar mais um e outro, sem toiro, com passagem em falso, e com menor brilho. O quinto, bem feito e rematado, sem exageros, perseguiu mais nos remates das sortes do que na concretização das mesmas, pedia seriedade por diante e Romero foi paulatinamente procurando o equilíbrio, entre alguns toques nas montadas, que acabou por não surgir, exceptuando-se o terceiro curto, com cite, distâncias, viagem e embroque de qualidade.

Miguel Moura realizou a lide mais correta e assertiva que alguma vez lhe vi. E adivinhem? Ninguém reconheceu. Para além da mais completa da noite, foi sóbria, com intenção, com um Teixeira completo e disponível por diante, curiosamente o menos rematado, bisco do pitón esquerdo, mas que se tivesse a casta e a fiereza do primeiro, era um Toiro de bandeira. Saiu com chama e transmissão e o jovem de Monforte cravou um grande comprido em sorte de gaiola. Andou metido com o toiro, aguentou-o, cravou com gosto e de verdade… Não logrou nenhuma conexão com o público, que honestamente não sei se não entendeu, ou se continua a faltar um bocadinho de condimento à vertente artista do Toureiro. Esse estigma é difícil de entender e de superar, tem de vir de uma veia geniuda e revolucionária de dentro. Com o último da noite, com uma talha visivelmente superior, nobre e com fundo, nunca se proibiu de lutar. A solvência que Moura procurou não teve o mesmo aprumo que na lide anterior, continuando sem entusiasmar o público já em horário de madrugada. Procurou dominar o centro da sorte e as execuções logradas foram objetivas mas pecaram por mais escassas.

Com Teixeiras sérios por diante, os Amadores de São Manços fizeram parecer fácil duas pegas limpas mas exigentes do ponto de vista da força e do aguentar, seja os cites, as reuniões ou as viagens, à semelhança dos Amadores de Beja, cujo solistas, de ambas formações, não foram tecnicamente irrepreensíveis, mas foram valentes e tiveram a alma necessária para estar perfeitos à sua maneira e onde as ajudas sobressaíram destacadamente nesta noite, nomeadamente os primeiro e segundo ajudas dos dois grupos. Por São Manços Manuel Trindade aguentou uma saída rápida e poderosa do primeiro, concretizando à primeira; o jovem Alexandre Rocha suportou uma investida humilhada até o grupo fechar bem.

 Por Beja Nuno Vitória esteve eficiente e eficaz de braços aguentado um derrote duro com o grupo a conseguir chegar com firmeza à primeira tentativa; Pedro Fernandes, forcado de tenra idade, esteve um “homenzinho” diante do mais pesado, que não foi difícil mas exigia mando e poder do Grupo, exímio o primeiro ajuda e a restante formação.

Mais ingrata, mas não menos valorosa, a prestação do Grupo da Terra, o Real de Moura. A responsabilidade no seu reduto é sempre acrescida, as gentes da terra sentem o Grupo e por esta altura das Festas, as emoções acabam por evidenciar-se em tom maior, sendo de salutar a quantidade de jovens forcados fardados, à semelhança dos seus pares nesta corrida. João Reganha, forcado com firmados atributos a ajudar, não reuniu bem e apenas à segunda concretizou, com uma resposta e eficácia poderosa do grupo; José Costa Pinto travou uma tarefa dura diante um Toiro que cresceu tentativa após tentativa. Com tenacidade e com força aguentou o que conseguiu numa primeira tentativa onde lhe faltou mando, mas que também lhe faltou grupo à altura da valentia. À quarta, com todos entrosados e com vontade, conseguiu consumar com mérito.

Uma palavra para a Banda de Música que encheu a praça com a qualidade dos seus instrumentistas, e por acaso, música para os meus ouvidos era um patrocínio de uma seguradora como a da Joana… Nada disso, estou a brincar. Até ao próximo episódio!

 

Pedro Guerreiro

 


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