Opinião: "Porque Mourão nos faz (tanta) falta?"
“Normal… porque és de lá”, devem estar vocês a responder-me neste momento. Certo, mas não só.
Faz-me falta a mim por razões óbvias mas também a vocês, aficionados aos toiros, e que já tiveram o privilégio de lá ir num qualquer 1 de Fevereiro assistir ao Festival Taurino por ocasião das Festas em Honra da Nossa Senhora das Candeias.
Depois de passarmos três meses confinados (termo da moda) devido ao defeso, ver chegar o dia primeiro de Fevereiro é, para um aficionado, como que o “ano novo”. Ali, em Mourão, tudo recomeça naquela tarde, mal sejam quinze horas e se ouve o cornetim e o foguete que estoira no ar avisando a todos nas proximidades, “aqui há festa”.
A pracinha de toiros de Mourão, pequena, singela, tão peculiar e tão por si só tão alentejana com o seu branco caiado e o vermelho taurino, tem tanto de aconchegante por nos sentirmos em casa, como de insensível tal o frio que faz dentro daquelas paredes.
Estar no 1 de Fevereiro em Mourão é viver e respeitar a tradição. Ainda que praticamente nos últimos anos é que ganhou mais fama junto dos de fora, a Festa ali já vem de há muito, já teve variados formatos, de vacadas, de espectáculos amadores, com toiro de morte, com as grandes figuras da época ou aqueles que se iniciavam, fossem nacionais ou internacionais,… até se chegar ao espectáculo mais formal como o conhecemos hoje em dia.
Mas viver o 1 de Fevereiro em Mourão é, principalmente, criar memórias. E escolho quatro.
Recordo com saudade o tempo do toiro morto na arena. Não à espanhola, à alentejana mesmo! O maior e mais pesado do festejo era anunciado como oferenda a Nossa Senhora. Depois de lidado, aparecia a corda. Era laçado à córnea, o que às vezes tardava para acontecer… e isso era sinónimo de mais um gole no Frisumo e mais umas quantas batatas fritas comidas. Quanto mais tempo demorassem a apanhar o toiro com a corda, mais tempo ali estaríamos na festa, a desfrutar do espectáculo e a degustar o lanche comprado nos bares improvisados na praça de toiros. Até que se dava o desfecho. O toiro era morto na arena. Um foguete determinava o sucesso e o final do espectáculo. À noite, esse toiro ainda durava mas num talho próximo da praça principal para quem o quisesse comprar, às partes…
Mourão será memória também na vida de todos os que ali se iniciaram. E, não sendo do meu tempo mas foi efeméride que registei com cuidado: a estreia da grande figura do toureio a cavalo, José Mestre Batista, com 13 anos de idade, aconteceu em Mourão num 1 de Fevereiro.
Muito mais recentemente, mas para quem não esteve presente entender a força do que se vive ali, é relembrar um momento do ano passado, quando o maestro da Banda Filarmónica de Mourão passou o testemunho a um jovem músico que elevou a tarde. A música, e a forma entusiasta como estava a ser protagonizada, não passou despercebida a ninguém nas bancadas, deixando todos deliciados e dando ênfase ao que se passava na arena.
Para terminar, recordar o 1 de Fevereiro de 2008. E bem a propósito, infelizmente, esta memória é especial. Toureou nessa tarde, o maestro José Júlio. O dia tinha sido antecedido pelo seu 73º aniversário, e o ano antecedia o do 50º aniversário da sua alternativa. O toureiro vilafranquense, falecido faz hoje três dias, espelhou na arena a mesma frescura e jovialidade que sempre carregou naquele sorriso que lhe era característico e que o definia. Ninguém ficou indiferente à valentia e à disposição de quem, já com alguma idade, se colocou diante de uma rês brava. Mas o momento subiria de tom quando a Banda de Mourão entoou o Parabéns a Você e a praça em uníssono, num sentido gesto de agradecimento, de afecto, cantou, deixando o maestro José Julio verdadeiramente tocado pelo momento. Ao ponto de afirmar sem pudores, e está escrito, que aquela foi “uma das maiores emoções da minha vida e da minha carreira”.
E isto é o 1 de Fevereiro em Mourão, um criador de memórias e de emoções.
É por ser o primeiro, o mais carregado de simbolismo e o mais aguardado no calendário, pois acontecendo o Festival Taurino de Mourão, muitos outros lhe sucederão.
Mas este ano não.
Este ano ficam as memórias e a esperança de que possa a afición da organização, juntamente com a disposição da edilidade, pensar que, mal as coisas estejam o mais normais possíveis, se possa realizar mesmo que seja num 1 de Junho, num 1 de Setembro ou no 1 de Dezembro.
Mas que não deixe Mourão de cumprir a tradição em 2021, pois Mourão faz-nos falta…
Fotografias: Patrícia Sardinha / Arquivo / Livro "José Júlio: vida e tauromaquia" de Alberto Franco