Pontos Negros da Festa
“E o burro sou eu?”
Agora que o Verão está à porta entramos na fase mais activa da temporada. Sol, moscas e toiros fazem parte da vida de um aficionado que goste de ir a corridas de toiros pela tarde, mas com o aumentar do calor, uma corrida nocturna também sabe muito bem. No entanto não é só nos termómetros que as temperaturas sobem, há acontecimentos e acções no mundo taurino que deixam qualquer aficionado de bom senso a ferver.
Vejamos o primeiro, e talvez o mais importante, ponto negro que tem assolado a Festa Brava tanto em Portugal como em Espanha, a escassa ou mesmo nula bravura acoplada a uma notória falta de força nos toiros, e que tem arruinado corridas, inclusive das mais importantes Ferias do país vizinho.
Sem dúvida um grande problema, pois o toiro é o elemento principal, e sem ele não há toureio, nem toureiro que nos valha. Se bem que, e principalmente no toureio a cavalo, existe sempre quem se aproveite destes mansos para se exibir em artes mais equestres e/ou circenses que taurinas, valendo-se de triunfos despropositados, mas aos quais a maioria dos que se dizem aficionados de hoje em dia, dão enorme crédito. Esta ausência de raça, força e bravura nos toiros é geral mas não é universal. Isto porque não podemos crucificar todas as ganadarias, ou todos os toiros de uma mesma ganadaria, por uma ou outra “ovelha negra”. E para isso vejamos o caso do Concurso de Ganadarias de Évora, onde esta temporada se viu toiros nobres e bravos como o Palha, ou o belíssimo curro dos Grave no Campo Pequeno. O que não quer dizer que dentro destas ganadarias não haja também toiros mansos, que os há. Mas a verdade é que outras ganadarias subsistem minadas de mansidão. E para isso alguma razão tem de haver. Provavelmente a grande selecção ganadeira, auxiliada pelos caprichos das vedetas toureiras que impõem condições nas reses para que lhes possam assim aplicar o seu estilo toureiro sem problemas. Mas tanta selecção do Homem, coadjuvada pela própria transmissão genética, acaba por originar um produto que excede a inviabilidade. E depois isto é como uma praga, depressa se espalha de ganadaria em ganadaria e o resultado é o que se vê, corridas sem emoção, sem bom toureio, sem toiro bravo!
Outro ponto escaldante são as descabidas alternativas espanholas que alguns cavaleiros portugueses têm ido ou vão “tirar” a Espanha. É um erro crasso de total falta de respeito para com a própria História do Toureio em Portugal. Então justifica-se que um cavaleiro português, doutorado numa praça do nosso país, com padrinhos e testemunhas que o atestaram, para além do público presente, vá tirar outra alternativa ao país vizinho, ainda para mais em praças de 2ª ou 3ª categoria?! Isto a meu ver só pode ter dois significados (não justificáveis), ou total descrédito pela alternativa que já receberam, ou simples campanha de marketing por quem os contrata para essas praças espanholas. Será que ao irem tirar alternativas a Espanha, aquela que tiraram em Portugal passa a ser inválida? Também não percebo porque é que só vão os portugueses “tirar” alternativas a Espanha, e não os toureiros espanhóis virem também fazer as “segundas núpcias” a Portugal. Que diriam nuestros hermanos se viesse agora o Morante, dia 2 de Julho, ao Campo Pequeno, tirar a alternativa portuguesa?. Ou o Leonardo Hernandez em Alcochete doutorar-se novamente?. Impensável, não vos parece?. É a nossa identidade que está em causa, mas esta gente…quer é ser espanhola à força!
Por último, só queria reforçar o que já manifestei na minha crónica da corrida de Santarém no passado dia 10 de Junho, e que se refere ao facto de ser ter premiado um rejoneador com três voltas à arena, após uma actuação sem êxito por falta de matéria-prima de qualidade. As corridas de toiros, como a própria expressão indica, é o acto de se correrem toiros, baseando-se numa arte que consiste na lide de toiros bravos. Ora na ausência disto, de uma lide adequada, será sinal de humildade as três voltas à arena por parte do toureiro, ou ingenuidade do lado do público que se contentou com um irrespeitável acto de um cavalo que morde os toiros?. Seja o que for, e para além disto, parece-me ingrato que se aproveite agora, principalmente por alguma imprensa da especialidade, a denominação “Corrida do Ano” usada na promoção pela empresa, para qualificar o resultado da corrida. Porque se aquela, em termos artísticos, foi a “melhor” corrida do ano, eu nem quero imaginar a pior. Houve público e muito, um luxuoso cartel sim senhor, está de parabéns a empresa por isso, mas não houve grande sucesso artístico, nem toiros bravos, nem toureio e por isso, poupem-se de bajulações. O público, e não me refiro só ao de Santarém, não pode insistir em continuar a ser tão “tapadinho” e contentar-se com toureio de pouco calibre ou com feitos pouco ortodoxos em praça. Sejam exigentes com os toureiros, com os toiros, forcados, etc e verão que os toureiros, como que sentindo-se apertados, irão trabalhar no sentido de melhorar (se conseguirem) a qualidade do seu toureio, sem embustes.
Claro que nem tudo são espinhos neste meio, ainda há muitos aspectos positivos, e são eles que vão mantendo sã a nossa Tauromaquia e nos vão instigando a acreditar no nosso Toureio. E em relação aos pontos negros da Festa, só me fazem lembrar de uma frase do Scolari quando ainda era treinador da Selecção Nacional, “E o burro sou eu?”
PATRICIA SARDINHA