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    Crónica de Beja - 'Sem noção...'


    Sem noção... Meio mundo confuso, intransigente em situações de basicidade extrema, e mudo nas que requerem contestação. 
    Sem noção... Como a imprensa do agora, que faz parecer fácil escrever de toiros e achar que isto está ao acesso de qualquer um. Está, claro. Se optarem por esse caminho pouco criterioso e limitado, dando força à festa tremendista e dos sucessos que poucos vêm.
    Sem noção, porque Beja tem perdido o rigor e seriedade de outrora. Quantitativamente melhor, é um facto, mas culturalmente está a um nível paupérrimo e preocupante. Porque há desrespeito, porque há incerteza, porque há desconhecimento absoluto e total de toda a envolvente de um espectáculo taurino. 
    E saio desapontado quando o público da minha terra assobia o grupo (único grupo que é de Beja e da terra!) por optar pela pega de cernelha; quando o público, em bronca totalmente desajustada e incoerente ao director de corrida, não respeita um forcado que está na cara do toiro; quando o público vê vários intervenientes pavonearem-se numa volta à arena, inclusive ganadero e maioral (sem se justificar, na minha opinião) e aplaude efusivamente.

    Definitivamente, anda meio mundo sem noção...

    Rafael Vilhais apostou, sem medo, e ganhou. Um ano depois, Beja voltou a ver a sua praça esgotada, sem espaço para um alfinete, com bom ambiente numa noite de temperatura agradabilíssima. 

    Não, não houve nada de escândalo, nem triunfos, nem loucuras... Houve um nome próprio: Grupo de Forcados Amadores de Beja. 

    O Grupo da Terra, de Beja (!), prontificou-se para pegar seis toiros, num gesto admirável e que serviria também como homenagem a Manuel Almodôvar, que ressuscitou uma alma que fazia falta em Beja. Festa bonita, com muitos forcados fardados, alguns já retirados, outros, a iniciar percurso nesta escola da vida...
    Os toiros de Ventura saíram todos prontos e rectos nas pegas, e diante deles era pedido traquejo, calma e mando, e isso, esteve à vista de todos...
    Guilherme Santos esteve firme com o primeiro, que lhe ocasionou viagem algo incómoda, derrotando brusco ainda que pouco violento, com o forcado bem a aguentar e o grupo excelente a responder, com uma enorme primeira ajuda que foi fulcral. 
    Ricardo Castilho explanou para quem tomou atenção o que é ser forcado. Cite perfeito, cumpriu todos os tempos da pega, fechou-se como de costume e esteve soberbo, com uma grande pega à primeira e, novamente, com o grupo em destaque nas ajudas.
    A terceira pega, à cargo do jovem Francisco Patanita, foi a única em que o grupo mostrou debilidades, parecendo-me que houve hesitação e falta de decisão na hora de ajudar. Francisco procurou estar correcto, calmo e sereno, contudo, não creio que o toiro estivesse totalmente com ele quando saiu, ainda assim, aguentou-se bem até cá atrás mas foi desfeiteado e saiu para ser auxiliado. 
    Luís Eugénio foi decidido para a dobra, firme e valente, veio quase aos terrenos do toiro para o sacar, e quando se fechou já não saiu, com o grupo nitidamente mais pronto e compenetrado a ajudar.
    Rui Tareco e Nuno Vitória pegaram o quarto de cernelha, que encabrestava bem e deixava-se tocar. Perto de tábuas fizeram a primeira investida e com sucesso ficaram, com o toiro a dar alguma espectacularidade e emoção à tentativa, e ambos forcados com valor a aguentarem. 
    Miguel Sampaio devia ter esperado e recusado pegar com aquele ambiente... Foi feio, vergonhoso, injusto para o forcado. Sem noção.
    Miguel esteve muitíssimo bem, concretizando boa pega ao primeiro intento, sem viagem demasiado complicada, mas com o desempenho de qualidade do forcado a destacar-se como nota alta. 
    Diogo Morgado selou em triunfo uma noite para recordar, com outro desempenho sem reparos, e com o grupo sempre em posição destacável, na primeira tentativa.

    Os Urquijo de Ventura revelaram heterogeneidade no que diz respeito a bravura e apresentação. Curiosamente, o mais bonito foi também o que mais cumpriu em relação aos irmãos, sem que contudo fosse bravo para justificar a volta à arena. 
    Em traços gerais faltou classe e interesse aos toiros, houve mais génio que casta e motivações mais intempestivas. Todos pediam ligação e atenção, pois ostentaram pouca fijeza e desligavam rápido dos momentos. 
    Estreia aquém da novel ganadaria de Diego Ventura, que à semelhança do seu proprietário, se estreou no mesmo ruedo. 

    O primeiro toiro da noite pesou 575Kg, sem que lhe abundasse trapio. Negro, de talha média, bisco e sem encontrar estado para definir o seu comportamento. Veio a menos, à defensiva e mais por arreões. 
    Rui Fernandes andou dentro seu habitual registo, proporcionando bons momentos ao público, mas poucos momentos de bom toureio. Nos compridos não logrou correção, com três tiras passadas e com demasiadas vantagens. 
    Não houve clarividência com os curtos, com mais intenção que qualidade nas reuniões, cravando a ferragem da ordem sem alardes merecedores de destaque. 
    O quarto acusou na báscula 515Kg, toiro equilibrado de hechuras, bem feito e agradável. De início saiu com pata, arrancava sem problema aos cites mas faltava-lhe determinação depois do ferro. Foi nobre e voluntarioso, mas acabou por vir a menos e perder chama na investida, sem pulmão para manter o passo.
    Ligeiramente superior, Rui Fernandes encontrou-se mais a gosto nos curtos, em especial nos momentos de brega, faltando a mesma convicção nos ferros para dar consistência a uma actuação intermitente e aquém. O antepenúltimo e penúltimo ferros foram mais conseguidos, com o cavaleiro a buscar a jurisdição mais aprumada e verdadeira, faltando-lhe dosear bem esses argumentos durante a restante lide para poder satisfazer. 

    Duplo compromisso para Diego Ventura numa praça especial na sua carreira. Estreou-se em Beja, já triunfou, já fracassou, e ontem, lidou a sua primeira corrida como ganadero. 
    O seu primeiro toiro, do seu ferro, com 520Kg, era geniudo, pequeno, tinha vibrantes arrancadas mas dispersava e perdia o interesse com facilidade, sem nenhuma fixação e a cabrear. 
    Ventura recebeu-o de forma vistosa, dando-lhe vantagens de largo e adornando-se com classe em bonitos recortes. Montando o Nazarí encantou o público na brega, ainda que em excesso com as duas mãos nas rédias, e os dois primeiros curtos foram portentosos, bem desenhados, com o morrillo debaixo do braço na hora do embroque. Manteve a sequência na lide mas baixou o nível qualitativo, mais diminuído e desacertado a cravar. Terminou com palmitos em violino e com o público rendido, com um entusiasmo a pender para o fanatismo. 
    Com o quinto Ventura andou a conta-gotas e sem estabilizar.
    Toiro alto, com esqueleto, 570Kg, badanudo e descompensado, foi um manso que várias vezes se refugiou em tábuas, parava-se e poucas vezes ganhava motivação para sair. 
    Ventura parou-o em curto e dobrou-se com ele nos medios, antevendo-se boa qualidade do animal, mas tudo se esfumou... 
    O rejoneador mostrou-se com ganas e aguerrido, e valeu-lhe o seu sentido de lide e exposição para mexer com o público, se bem que ontem era fácil mexer com aquele pueblecito, que tenho pena de ser a minha terra. 
    O primeiro comprido resultou bem, partindo o toiro ainda a uma distância considerável com emoção, entretanto no segundo perdeu a rectidão e foi cortando caminho, sem estabilidade no seu comportamento a partir dessa fase. 
    Os curtos de fora para dentro, atacando o toiro a distâncias curtas, nomeadamente o segundo e terceiro, a quiebro, constituíram os únicos pontos de interesse da sua actuação, pela emoção e boa interpretação do toureiro. A lide prolongou com pouca história, e quando já havia excedido o tempo limite, o público insistiu para que Ventura deixasse mais um ferro, solicitação essa negada, e bem (!), pelo Director de Corrida. Numa fase em que o toiro se encontrara diminuído (faltando ainda ser pegado), a lide sem eco para atingir outros voos, e o tempo a passar e passar, era injustificável deixar mais um ferro. Agostinho Borges não cedeu, com pulso e decidido como eu gostava de ver mais vezes as direções de corrida, e Ventura com o público entregue a si, tirou a cabeçada ao cavalo e simulou um par de bandarilhas. 
    Bronca monumental ao Director, como nunca havia ouvido numa praça portuguesa... Sem noção!

    Filipe Gonçalves pecou pela irregularidade nesta sua passagem por Beja.
    O terceiro da noite pesava 510Kg, anovilhado, bem armado de cara mas a carecer de trapio. 
    Foi sonso, era malvisto e entregou-se mais na brega que na ferragem. 
    Filipe Gonçalves não se entendeu com ele, e em sortes cambiadas nunca houve consenso, chegando a sofrer toques nas montadas e algumas sortes em falso. 
    As batidas foram demasiado pronunciadas e as reuniões resultaram sempre impossíveis e totalmente descuradas de correção, mesmo quando havia melhoria no último momento da sorte por parte da montada, era o toiro que faltava, sem que ambos se chegassem a entender. Salvou-se um ferro, mas a lide acabou sem história.
    Com o último faltou entrosamento e reinou a irregularidade e maior descoordenação. 
    O toiro de Ventura foi algo limitado, não queria que lhe exigissem excessos e respondia com bondade. 
    O seu toureio foi suficiente para chegar ao público, que aclamava com alegria todas as abordagens, com especial destaque para quando se apresentou com o cavalo que bate palmas.

    A direção de Agostinho Borges fica marcada por um momento infeliz, que foi a volta ao quarto toiro da noite, pois (em minha opinião) não era merecedor de tal prémio e estamos a banalizar tudo o que devia ser alcançado com mérito e verdade; e pela mostra de poder e critério que teve em todas as outras decisões que tomou, que apesar de molestarem a maior parte dos sem noção que por aí vagueam, foram as mais rigorosas e correctas no momento.

    No final, e em suma, o mérito deve ser partilhado entre Rafael Vilhais e os Amadores de Beja... Para falar do resto, já nem eu sei se tenho noção!

    Pedro Guerreiro