Roca Rey com Campo Pequeno a seus pés na última do ano em Lisboa

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A Praça de Toiros do Campo Pequeno encerrou a sua curta temporada de quatro espectáculos na passada sexta-feira com um festejo misto que esgotou lotação e renovou ânimo quinze dias após noite de desgraça.

Foi impossível separar as águas, estar ali e não se recordar a imagem de Manuel Trindade caído inanimado na arena, estar ali em ambiente de festa e não se recordar a tragédia de há duas semanas. E a verdade é que em vários detalhes se honrou a memória do falecido forcado de São Manços: na lona com a sua imagem, no minuto de silêncio, na jaqueta do seu grupo presente na praça, nos brindes ao céu, na divisa dos toiros, na braçadeira negra no braço da casaca e nos tons escuros dos trajes, nas ovações de pé... Pormenores que atenuaram e tornaram mais fácil aceitar aquela noite. Afinal, isso é também o mundo dos toiros: superar, honrar, ter empatia e respeito pelo outro.

Também não foram esquecidos no minuto de silêncio aquando das cortesias, Joaquim Maria Mendes do Aposento da Chamusca (falecido em acidente de viação na véspera); Carlos Galamba, antigo forcado dos Amadores de Lisboa e Coruche (vítima de doença prolongada); o saudoso Maestro Manuel dos Santos em ano de centenário; e também as vítimas do fatídico acidente do Elevador da Glória em Lisboa.

Mas efectivamente a noite foi de celebração e para isso muito contribuiu a lotação completa e o ambiente sentido no Campo Pequeno.

Culpado? Roca Rey.

O momento e o impacto que o matador de toiros peruano goza na actualidade, serviram como trampolim para que, com alguma antecedência, o festejo resultasse (verdadeiramente) esgotado. Obviamente creio que já todos sabemos o que a casa gasta quando toca a vir tourear a Portugal uma ‘figura de primeira’ em relação a toiros: “torero grande, billete caro, toro chico”, pelo que seria difícil criar grandes expectativas em relação às faenas apeadas. Mas assim não foi. Ainda que os toiros, provavelmente ‘encomendados’, não surpreendessem totalmente em apresentação, também não foram os 'gatos com bananinhas' com que muitas vezes outros artistas e noutras praças nos brindam. E melhor que isso? Ver e sentir a real entrega, o ofício e a arte de Roca. O toureiro podia chegar ao Campo Pequeno, dar meia dúzia de trapadas e despachar a coisa, até porque recordemos que vem ainda condicionado de uma lesão que o parou uma semana antes desta corrida. Mas não! Roca Rey respeitou praça e afición, e toureou…bem, muito bem! Foi sempre superior aos seus dois toiros, o primeiro de Garcia Jiménez, manso, a sair solto, e o segundo, de Garcigrande que veio a mais. A ambos, Roca moldou ao ponto de nos fazer ver neles ‘boas condições’, com um toureio por ambos os pitóns, que parecia fácil mas caro, uma classe e uma postura única. Toureou variado e muitas vezes a redondear os passes que pareciam eternos. Desfrutou e fez desfrutar. Isso bastou-nos!

Francisco Palha sempre teve no Campo Pequeno o seu 8 e 80. Felizmente, tivemos um Francisco para mais de 80 nas duas lides. A estabilidade e o mérito de Palha têm-no precedido esta temporada e chegou a Lisboa conseguindo manter essa constância e convencer. Teve mais conteúdo o conceito impingido na sua primeira actuação frente a um bom toiro do Dr. António Raul Brito Paes que teve som, sempre fixo na montada e por algumas vezes se arrancou sozinho ao cite do cavaleiro e com o qual Palha teve actuação em crescendo, com preocupação na lide e intenções mais rectas e cingidas. Enorme o segundo ferro curto. Frente ao segundo do seu lote, outro da mesma ganadaria que se deixou, Francisco Palha assentou mais a lide nas batidas com impacto e logrou nova boa actuação.

Guillermo Hermoso de Mendonza é uma versão (ainda por aprimorar porque Pablo é Pablo) do pai mas já com as mesmas faculdades de quem faz parecer fácil montar a cavalo e com grandes pormenores dentro do que é o rejoneio. Frente ao seu primeiro, um toiro que perseguiu a passo cadenciado e lhe consentiu a exuberância das hermosinas e dos ladeios, teve uma actuação que chegou às bancadas. E na última, com um toiro mais reservadote mas que também se deixou, manteve um toureio baseado nos quiebros e batidas pronunciadas às quais faltou por vezes ajuste. Estendeu actuação e quis rematar com um par mas nas duas vezes que o tentou, só logrou que uma de cada par ficasse efectivamente.

Nas pegas, sentia-se sempre uma maior pendência das bancadas cada vez que se batiam as palmas e se citava um toiro. A tragédia era ainda muito recente mas felizmente, desta vez tudo correu de feição com quatro valentes pegas ao primeiro intento. Foram consumadas pelos forcados Vítor Marques e Miguel Direito dos Amadores de Alcochete e André Silva e Luís Canto Moniz do Aposento da Moita.

Lidaram-se a cavalo toiros de António Raúl Brito Paes, pesados mas rematados, com raça o primeiro, mais cómodos e a deixarem-se os demais; e de Garcia Jiménez e Garciagrande nas actuações a pé que serviram.

Dirigiu a corrida Ricardo Dias, assessorado pelo veterinário, Jorge Moreira da Silva, numa noite abrilhantada com nota alta pela Banda da Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos que marcou a diferença na escolha dos pasodobles e, aquele “La Concha Flamenca” na última actuação de Roca Rey, foi praticamente todo ele uma ‘faena’ à parte, pelo que justa ovação tributada à Banda no final.

A corrida anunciava-se ainda como de homenagem à memória do Maestro Manuel dos Santos, matador de toiros e antigo empresário daquela praça, no ano do seu Centenário. Uma singela distinção que foi atribuída ao intervalo da corrida mas repartida com os 50 anos do Aposento da Moita e um ‘mimo’ pela presença de Roca Rey.

 

Patrícia Sardinha


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