Não é fácil escrever uma crónica depois de 4h de corrida, como não é fácil escrever depois de oito toiros, oito lides, oito pegas…e com pouca qualidade artística a registar.
Mas, muito menos fácil é, escrever depois da morte ter vingado na arena.
Quando um dos ‘nossos’, seja forcado ou toureiro, perde a vida por consequência da sua actividade na corrida, o resultado artístico do espectáculo é o ‘mal’ menor a contar, a relembrar, a valorizar…
Na noite da passada sexta-feira, o Campo Pequeno até registou uma boa entrada de casa, com cerca de ¾ da lotação registados, pese embora um cartel de oito lides o que, por si só, poderia ser motivo para afastar público dado que um facto estava consumado: era coisa para durar!
E assim foi, durou…durou demasiado para um espectáculo que se quer com ritmo e qualidade, e muitos foram os que ali pelo quinto ou sexto toiro, deram em abalar das bancadas não resistindo à durabilidade do festejo... Pelo que aos nossos empresários há a pedir que, mais do que se tentar agradar a artistas e apoderados, há que se tentar agradar ao público pagante com cartéis que interessem e cativem até ao seu final.
Das lides, um registo monocórdico de actuações com altos e baixos, à excepção de Ana Batista, a mais correcta, assertiva e limpa lide da noite. Dois compridos e quatro curtos de boa nota, indo de frente e acima do toiro, provaram em Lisboa que a cavaleira é, sem dúvida, um dos casos da temporada. Os demais limitaram-se a cumprir, uns mais afoitos que outros, com mais ou menos variedade de sortes, e no geral, todos estiveram em praça para cravarem ferros mas, lidar, no verdadeiro conceito da palavra, viu-se pouco. Esteve em plano cumpridor o açoriano João Pamplona que confirmava alternativa no Campo Pequeno; variado nas sortes Filipe Gonçalves; sobrado e no seu estilo mais clássico esteve Manuel Telles Bastos; o rejoneador Andrés Romero cumpriu num toureio assente nas batidas; em crescendo esteve António Prates; Joaquim Brito Pais foi solvente na sua actuação; e António Telles filho esteve com ofício por cima do reservado oponente.
Dos toiros da ganadaria Vinhas (o último curro da mesma, já que com o falecimento do ganadero Luís Vinhas em Fevereiro deste ano, a família entendeu vender todo o efectivo da histórica ganadaria de encaste Santa Coloma, tendo guardado este lote para ser lidado nesta corrida), o que essencialmente nos fica são os excessivos pesos e a dureza do seu comportamento. No geral, foram toiros complicados que tendo em conta o que acusaram na balança até tiveram alguma mobilidade, tapando-se nas reuniões para depois perseguirem aos arreões e procurando colher as montadas. Mais nobre e a perseguir a passo o lidado em quinto lugar, o que valeu volta à representante da ganadaria (?!). Enquerençado nas tábuas o sétimo e reservado o último.
A agressividade do curro viu-se principalmente nas pegas e aqui, imperou a real Bravura, o mais nobre Valor, o dos forcados em praça nessa noite: Amadores de São Manços, Real Grupo de Moura, Amadores de Monforte e Amadores de Beja.
Todos eles grupos alentejanos que foram protagonistas Maiores na grande cidade de Lisboa.
E daí advém o título que aponto a esta crónica, que ‘copia’ parte do refrão de uma das canções do momento de autoria de um grupo de 4 ou 5 elementos oriundos de Évora. Curiosamente, de onde também era natural Manuel Trindade, forcado dos Amadores de São Manços, que morreu a fazer o que mais gostava e o que o enchia de vida quando o fazia.
Pese embora nem todas as pegas terem sido concretizadas ao primeiro intento pelas dificuldades impostas pelos oponentes, ontem, todo o Alentejo foi Maior no Campo Pequeno pelos braços e valor de quatro grupos de Forcados alentejanos em praça.
Manuel Trindade, um dos jovens forcados que era já referência no panorama taurino actual, citou com determinação o toiro naquela que viria a ser a sua última pega. O toiro arrancou com pata, a reunião foi assertiva e eficaz, e tudo parecia conjugar-se para um grande pegão. Mas o violento arremesso contra as tábuas acabou ali com a esperança num final feliz. Manuel saiu inanimado e o rosto de quem o socorreu anteviu que a situação era grave. O desfecho viria a dar-se às primeiras horas do dia de hoje, com o forcado a não resistir aos ferimentos. Na dobra da sua pega, Martim Moreno e os demais elementos do seu Grupo, tiveram a estoicidade de aguentar por mais duas vezes as duras investidas da rês e assim concretizar o que Manuel Trindade iniciou. O Grupo viria a sair à praça novamente por intermédio de Duarte Teles que consumou à primeira uma boa pega à córnea.
Pelos Amadores do Real Grupo de Moura, foram forcados da cara Gonçalo Caeiro com uma pega valente ao primeiro intento; e Rui Branquinho também consumou à primeira, após o toiro ensarilhar ligeiramente mas depois a ir por direito.
Também os Amadores de Monforte suportaram a violência dos ‘vinhas’ por intermédio de Gonçalo Parreira que teve pela frente um verdadeiro ‘TGV’ e conseguiu consumar à quinta tentativa; e Luis Vieira a sofrer derrotes altos, consumando à terceira com uma pega rija.
Pelos Amadores de Beja, o cabo Francisco Patanita consumou com uma valente pega à primeira; e Fernando Caixinha suportou violentos derrotes do toiro, saindo lesionado e sendo dobrado por Miguel Paiva, que então consumou.
Uma noite de valor, coragem em que a estoicidade dos grupos alentejanos foi superior.
Dirigiu a corrida Rúben Fragoso, assessorado pelo veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva numa noite abrilhantada 'al alimón' pela Banda do Samouco e pela Banda da Amareleja.
Ao Manuel Trindade, a outros ‘manuéis’, e a todos os que pegam toiros…o nosso respeito!
Ficam as memórias do enorme Forcado… que em Paz descanse!
Patrícia Sardinha