Em tempo de vacas magras, leia-se
quatro corridas ao ano naquela que se considera a primeira praça do país,
espera-se (exigia-se) sempre que a qualidade pudesse compensar a quantidade e que, a fome de
se ir aos toiros a Lisboa, se refletisse numa praça cheia.
Pelo que não deixa de ser
incómodo que ontem, mesmo sendo uma sexta-feira (quando muito se vaticinava que
corridas às quintas retirava público), o Campo Pequeno não encheu como seria
bonito e expectável de ver e logrou cerca de ¾ de casa preenchida.
Ainda assim, ambiente não faltou
ao espectáculo, e sim, o público de Lisboa, sempre variado e eclético, que
acorre à praça para se entreter mesmo sem entender. E nesse sentido, tenho de
dar a mão à palmatória de que o Campo Pequeno tem, e não é de agora, mas de há
já uns bons anos em diante, a Tauromaquia e a ‘festa’ que o seu público merece.
O cartel marcava os 45 anos do
cavaleiro Paulo Caetano pelo que fez sentido a composição montada com
cavaleiros de várias gerações e dinastias a acompanharem o Maestro de Monforte,
bem como dois grupos de Forcados de eleição, Montemor e Lisboa. Não me fez
tanto sentido foi ver um curro de toiros ‘retalhado’. Porquê cinco toiros de
António Charrua e um da ganadaria Paulo Caetano? Que se pratique em muitas
praças e festejos de praças menores, cada toureiro levar o seu toiro de casa e
se esquivar ao sorteio (inclusive poupando umas massas aos organizadores), já o
sabemos, mas algo do género acontecer no Campo Pequeno?! Até porque a
comodidade dos ‘charruas’ serviriam bem a qualquer artista com mais ou menos
calejamento da temporada. Detalhes...
Em apresentação nada a apontar, e
em comportamento, efectivamente serviu o toiro de Paulo Caetano, com
mobilidade, como serviram os de António Charrua, mansos mas nobres, que andaram quase
sempre a passo, de pouca força, esquivando-se por vezes a perseguir após a
ferragem, revelando pouca transmissão principalmente no momento dos ferros, e destacando-se
o lidado em sexto lugar, que teve mais força e codícia em investir.
Das lides, ninguém transcendeu para um triunfo gordo, com praticamente todos os artistas a cumprirem dentro dos respectivos registos. Ressalvo o senhorio e poderio de Paulo Caetano, a quem os anos parecem não fazer mossa. Correcto, eficiente. O meu respeito! De igual modo António Telles teve passagem equilibrada e de mestre por Lisboa. O terceiro e quarto curtos foram de nota alta. João Moura Caetano sente-se placeado e confiado, e com o Campo Pequeno (o cavalo), desdobrou-se num à vontade na arena em que os adornos nos remates com as ‘hermosinas’, encheram o olho às bancadas. Duarte Pinto cumpriu de forma eficiente e assertiva dentro do seu conceito sóbrio e clássico. E Miguel Moura fechou a noite de forma positiva recebendo o toiro com um ferro em sorte gaiola que empolgou os presentes. Nos curtos, sobressaiu o sentido de lide (farto-me de frisar que tourear não é só cravar ferros), dando vantagens ao toiro para se arrancar ao cite e rematando com ladeios ajustados.
Para o fim, deixo Marcos Bastinhas por todo o entorno em que se viu envolvida a sua actuação. O cavaleiro de Elvas foi, de todos, o que mais deu importância à ferragem comprida com dois ferros de elevado valor (porque uma lide começa desde que o toiro sai à arena, e não só quando se inicia a ferragem curta). Nos curtos, pese embora ser notório o esforço e intenção do cavaleiro, a lide nem sempre foi consistente de resultado entre um ferro falhado, passagens em falso ou toque na montada, onde um palmito e um par de boa nota foram destaque. Pelo que entendeu o director de corrida não ser a lide meritória de música e aqui o caldo entornou-se, com o toureiro a não aceitar a decisão e um público que mais parecia o de um campo de futebol a apupar o' inteligente'.
Sim, já vimos lides piores com direito a banda sonora, e por isso considero que estamos todos (público e artistas) é muito mal habituados quando nos deparamos com a existência de critério em praça.
Assim, entre a razão
(para não dizer correcta exigência) do director e a emoção de quem vivia
todo o processo dentro da arena (o cavaleiro), bem como de quem foi ao
espectáculo para se divertir (e bater palmas ao compasso da música), houve toda
uma ‘muralha da China’ a separar. E tudo o que se passou desde então, foi
abjecto e mais um episódio dispensável para a Praça de Toiros do Campo Pequeno,
que deveria e merecia ser uma praça de respeito, de critério e exigência – porque
só assim se pode qualificar aquela que se quer como a primeira praça do país.
Nas pegas, os forcados Amadores
de Montemor e de Lisboa, contornaram as dificuldades que os toiros lhe foram
apresentando. Pelos alentejanos, Vasco Ponce deu vantagens ao toiro, soube
esperá-lo, mas quando se previa que consumava à primeira com uma boa reunião, o
toiro acabou por o tirar da cara. À segunda, uma pirueta aparatosa despejou-o
no chão, e acabou lesionado recolhendo à enfermaria. Foi dobrado por António Cecílio
que efectivou no seu segundo intento com ajudas carregadas. José Maria Pena
Monteiro consumou à segunda e à barbela, depois de um primeiro intento em que a
reunião não foi bem conseguida; e o cabo António Pena Monteiro, deu o exemplo de
superação, e encerrou o desempenho dos de Montemor com uma pega à primeira.
Pelo Grupo de Lisboa, pegou Nuno Fitas ao segundo intento, com uma boa pega e o
grupo coeso a consumar; Duarte Mira, que depois de num primeiro intento ter levado
com um pitón no peito, concretizou bem à segunda; e o valoroso João Varanda que encerrou
função também à segunda tentativa com uma pega com muita decisão.
Salientar ainda a presença dos Infantes da Casa Real Portuguesa, D. Afonso, Dª Maria Francisca e D. Dinis em representação de seu pai, e no momento de homenagem que foi prestado a Paulo Caetano no início da corrida, bem como do Secretário de Estado do Turismo, Pedro Machado.
Dirigiu a corrida o delegado técnico,
Ricardo Dias, que evidenciou critério e exigência (e muito ‘estofo’ para
aguentar), assessorado pelo veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva. Durante as
cortesias foi ainda realizado um minuto de silêncio pelo rejoneador Rafael
Peralta, falecido na passada semana.
O espectáculo tauromáquico é, sem
sombra de dúvida, uma manifestação de sentimento, de emoções, mas nunca
esquecer que, apesar de por vezes alguns nos quererem fazer parecer o contrário, é também um espectáculo
regulamentado e com uma autoridade a respeitar. E obviamente que o público é soberano, até porque é pagante, mas se o público nem sabe ser exigente com
o que se passa dentro da arena, como pode exigir fora dela?!