Crónica Campo Pequeno: “Foi de Mestre e de um(a) enorme Batalha”

NATURALES
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Finalmente!

Só assim poderia iniciar esta crónica, e creio que me repito e não é a primeira vez que o digo numa introdução, mas a verdade é que finalmente a Praça de Toiros do Campo Pequeno deu este ano espaço a uma Corrida de Toiros. E, finalmente, o público correspondeu enchendo praça em ambiente de muita comunhão com tudo o que se passava na arena, fazendo reavivar memórias de outras noites de ‘festa’ que nos últimos anos tem sido o estigma da afición no Campo Pequeno.

Se eu não preferia antes um público mais exigente nas bancadas? Sim, pessoalmente sim, mas preferia que essa exigência, esse rigor, viesse em primeiro lugar por parte dos intervenientes do espectáculo e do que eles fazem na arena, e em segundo lugar dos que escrevem e passam a mensagem a quem não assistiu…porque a esses é-lhes sempre contada uma versão que muitas vezes não aconteceu.

Público à parte (e cada praça tem o seu), a noite ditava a inauguração de Temporada em Lisboa, sendo um dos atractivos a alternativa do cavaleiro Joaquim Brito Paes que a recebeu de forma emotiva pelas mãos do seu irmão, António Brito Paes, após cedência dessa posição por parte do cabeça de cartaz, António Telles, e autorizada pela direcção do festejo.

Lidaram-se toiros da ganadaria Dr. António Raul Brito Paes, bem apresentados, pesados e compridos, com cara mas aos quais faltou transmissão. O primeiro saiu cómodo ao gosto dos artistas mas com pouca força; o segundo distraído e a procurar tábuas; o terceiro foi outro que se deixou; o quarto foi reservado, sem se entregar; o quinto também desinteressado; e o sexto foi do curro o que teve mais som, sempre fixo no cavalo. No entanto, foram todos toiros que não impuseram dificuldades de maior, pese embora nem sempre terem sido entendidos (os toiros e os toureiros…).

O mais recente cavaleiro de alternativa português, Joaquim Brito Paes, nem sempre foi consistente na sua actuação, fruto quiçá até da responsabilidade da noite. Fez uso da sorte da moda (e se é da moda é porque há quem goste de a ver), com quiebros bastante pronunciados que tanto empolgam bancadas pelo impacto da batida como tiram mérito por despejar o toiro para fora e com isso resultar por vezes numa passagem em falso. Mas a noite era sua e o público esteve do princípio ao fim com o jovem toureiro.

Quando António Ribeiro Telles, a cumprir 39 anos de alternativa, iniciou a sua função e lhe vi o toiro, animal sem investida, a procurar refúgio em tábuas, temeu-se a brevidade do ofício. Quiçá pelo mal habituados que andamos, em que só se faz qualquer coisa (leia-se que por norma é deixar os ferros e chega) quando os toiros não incomodam. Mas a longevidade do seu toureio, e o dom que tem de saber lidar, vieram contrariar esse pensamento. E conforme António ía elevando o tom do seu toureio, também o toiro parece que cresceu e se modificou: mestre António tinha convertido um toiro complicado num toiro que lhe deu o triunfo. A brega cuidada, a escolha correcta de terrenos, deixando o toiro onde queria e não onde o toiro se deixava estar, a rectidão nas sortes e os ferros ao estribo… Isto é o Toureio e ser Toureiro! Uma lição de mestre. Que haja gente com vontade para aprender.

Ao mestre, seguiu-se o génio, João Salgueiro. E a maior virtude desta actuação esteve em vermos um cavaleiro com 35 anos de alternativa, retirado das arenas, aparecendo numa ou outra temporada de forma muito esporádica, e por isso pouco toureado, para chegar à primeira praça do país e deixar de forma cumpridora os ferros perante um toiro que não dificultou. Quem sabe, sabe toda a vida...

António Brito Paes viu-se com maiores condicionantes com o seu oponente. Uma rês reservada, desinteressada, com a qual o toureiro cumpriu de forma discreta a ferragem da ordem.

Salgueiro da Costa também teve passagem modesta por Lisboa. À excepção do segundo comprido, que impactou pela forma como foi lá acima para o deixar, a restante ferragem resultou sem se comprometer muito, com algumas sortes por vezes aliviadas, perante um toiro que também não se empregou.

O praticante António Telles filho aproveitou o ânimo deixado pelo pai para também ele se entregar a uma actuação na qual o público foi entusiasta. O jovem vaticina bom sentido de lide e segue o registo do pai. Destaque para o último ferro da noite com um toiro que transmitiu mais que os irmãos e sempre se fixou na montada.

Esta foi também uma noite de demasiados toques de capote vindos da trincheira. Que os subalternos devam coadjuvar as lides, é uma coisa, que se abuse de batidas nas tábuas, avisos de capote para ‘prender’ o toiro no sítio que mais jeito dá ao cavaleiro, é outra… Mas é por isso que cada vez mais se dá prioridade a ‘espetar’ o ferro no toiro do que a lidá-lo… pois do resto pode o subalterno cuidar.

Nas pegas, noite de emoções fortes com dois dos mais valorosos Grupos de Forcados nacionais: os Amadores de Montemor e os Amadores de Lisboa. E que noite…

Pela fardação alentejana pegou Vasco Carolino, a citar destacado do Grupo, para depois reunir à córnea e o toiro sempre a direito o levar até ao grupo e consumar sem problemas à primeira; Vasco Ponce também efectivou ao primeiro intento, com o toiro a leva-lo até tábuas e a derrotar um pouco, situação corrigida pelo grupo; e José Maria Vacas de Carvalho também à primeira a aguentar bem a investida e com correcta primeira ajuda do cabo António Pena Monteiro.

Pelo grupo da casa, Amadores de Lisboa, abriu a noite o forcado Nuno Fitas que cedo impôs mando no toiro, aguentou e reuniu com decisão até ser ajudado pelo Grupo já nas tábuas; e se a fasquia ía alta no que a pegas dizia respeito nesta noite, que dizer da quarta pega?! Quem visse Daniel Batalha com uma serenidade pegar no barrete para realizar o brinde aos 90 anos do Grupo Tauromáquico Sector 1 – outra referência taurina da cidade de Lisboa – não diria que se seguiria o momento da noite (a par da lição de mestre António). A temperança com que citou, a leveza com que reuniu, não faziam adivinhar a ‘batalha’ com que se deparou para aguentar os derrotes do toiro que evitou a ajuda do Grupo e cambiando o rumo, continuou a luta para tirar o forcado da cara. Ao Batalha, além do valor e da enorme força de braços, valeu-lhe depois também a grande ajuda de Gonçalo Segão. Enormes! Duas voltas para ambos. Justo. Fechou a noite dos Amadores de Lisboa, o forcado Duarte Mira, que por infortúnio caiu na cara do toiro ao primeiro intento, e depois disso, seguiram-se três tentativas em que o toiro sempre lhe baixou cara para o tirar, consumando à quinta com ajudas, após intentos valorosos em que felizmente não se magoou.

A corrida iniciou com um minuto de silêncio em memória de Carlos Serra, antigo forcado dos Amadores de Lisboa recentemente falecido.

Dirigiu a corrida, com alguma facilidade na concessão de música – ainda que a noite fosse de festa-, a delegada Lara Gregório Oliveira, assessorada pelo veterinário Jorge Moreira da Silva num festejo que reuniu cerca de ¾ fortes de casa.

E contrariando as debandadas que às vezes se vêm nas praças mal se pega o último toiro, aqui o público manteve-se até ao último instante na praça: estávamos de novo em Casa, o nosso Campo Pequeno.



Patrícia Sardinha



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