Durante 14 épocas foi o "Senhor Campo Pequeno", uma posição da qual não tem saudades por garantir que ali foi feliz e assegura que o futuro da Tauromaquia em Lisboa está por um fio. Feliz e contente segue também com a gestão das praças que detém, Nazaré e Almeirim, cargo que em ambas aceitou por convite e nunca por concurso. No que a apoderamentos diz respeito, confirma Juanito no leque de toureiros, e revela o deslumbre e a confiança no valor de Rouxinol Jr., a quem, acredita, querem travar. Já sobre Luís Rouxinol afirma que tem gerido a carreira em função da categoria de figura do toureio.
Rui Bento Vasquez, considera-se hoje "Um homem mais maduro, mais desperto para a vida e para o papel que lhe cabe na sociedade".
Na primeira pessoa, RUI BENTO concedeu ao NATURALES uma entrevista que promete dar que falar e que, devido à sua extensão, publicaremos em duas partes. Hoje, segue a primeira.
"É o cumprimento do ”objectivo” da empresa Plateia Colossal, de, em meia dúzia de anos, acabar com a tauromaquia em Lisboa. Estão no bom caminho...é com tristeza e ironia que o digo."
Rui Bento Vasquez, matador de toiros, apoderado, empresário taurino... O facto de não ter caído de paraquedas neste meio, de ter sido toureiro, de ter “estagiado” numa das mais importantes Casas Taurinas, a Chopera, onde se iniciou como apoderado, foi essencial para fazer de si o profissional que é hoje?
Sem dúvida que o taurino que sou hoje é indissociável de uma vivência que começa a desenvolver-se na minha adolescência quando interiorizo o futuro que quero para mim e esse futuro era, nem mais nem menos, ser matador de toiros. Radicado em Salamanca desde os meus 16 anos, fiz todo o percurso desde o debute como novilheiro sem picadores e novilheiro com picadores, até à alternativa de matador de toiros (Badajoz, 25 de Junho de 1988, a apadrinhado por José Mari Manzanares e com o testemunho de Paco Ojeda, duas das maiores figuras da segunda metade do século XX), à confirmação em Madrid e a retirada oficial (21 de Setembro de 2000). Para além das vivências em praça, houve todo um percurso de aculturação ao mundo do toiro, com a especificidades próprias do ambiente espanhol, uma aprendizagem essencial e determinante para quem quiser ser matador de toiros. Muito aprendi ao frequentar as casas dos principais ganaderos da província de Salamanca (que são também alguns dos principais ganaderos de Espanha) e com grandes figuras do toureio como os maestros Pedro Moya “El Niño de la Capea” e Júlio Robles, entre outros. O convite da Casa Chopera, como a Patrícia disse, uma das mais importantes do mundo taurino, foi o resultado do reconhecimento de qualidades pessoais e profissionais extra-arena, que merecia a pena testar “fora da praça”. E assim, vinte anos depois, considero-me, também, um profissional realizado, nos domínios do apoderamento de toureiros e na gestão de espectáculos taurinos, tendo construído uma trajectória de afirmação pessoal e profissional pela positiva, sem atropelar nem pessoas, nem instituições, antes respeitando umas e outras.
E que predicados considera que deve ter aquele que quiser ser um bom profissional neste sector?
Considero haver características comuns e características diferenciadoras no que respeita à questão que me coloca: Como características comuns, destaco ser conhecedor do meio em que desenvolve a sua actividade, honesto, empático. Como diferenciadoras, no caso do promotor de espectáculos, e uma vez levando em linha de conta quer factores endógenos que exógenos que condicionem a conjuntura, ser capaz de juntar no mesmo cartel as sensibilidades artísticas e ganaderas que melhor respondam ao sentir dos aficionados. Como apoderado, ser determinado na defesa dos interesses dos seus representados, ser um bom “coach”, constituindo sempre um apoio para o toureiro, ser exigente consigo e com a equipa que com ele trabalhar.
2019 marcou o seu último ano como director de actividades tauromáquicas do Campo Pequeno. Foram 14 épocas à frente da primeira praça do país. Sente saudades?
Almeida Garret escreveu, na sua obra, Camões, aquele Poema que começa. “Saudade, gosto amargo de infelizes...” Ora indo pela inspiração de Garrett, não sinto saudades nenhumas pois não fui infeliz nessas 14 épocas, nem fiquei com uma pontinha de gosto amargo que fosse. Antes pelo contrário saí do Campo Pequeno orgulhoso do trabalho que, ao longo de 14 temporadas a minha equipa e eu ali deixámos. Demos projecção à Praça de Toiros do Campo Pequeno como ela nunca tinha tido, sobretudo a nível internacional. A nossa gestão artística foi considerada modelo por vários dos mais importantes empresários internacionais. Deixámos ali memória. Quem vier a seguir que nos julgue pois nós jamais seremos juízes em causa própria.
E como antigo gestor, e independentemente de, em 2020 e 2021, a época taurina em Lisboa ter sido fortemente prejudicada pela pandemia, mas como vê o facto de cada vez se anunciarem menos espectáculos taurinos no Campo Pequeno? Este ano, e pelo que se diz por aí, poderão ser só quatro corridas... Estamos a falar da primeira praça do País...
Para mim só pode ter uma interpretação: É o cumprimento do ”objectivo” da empresa Plateia Colossal, do empresário Álvaro Covões de, em meia dúzia de anos, acabar com a tauromaquia em Lisboa. Estão no bom caminho...é com tristeza e ironia que o digo. Mas, levando um pouco mais a fundo a questão, eu pergunto: Não acham estranho que, praticamente a chegarmos a Março, não se saiba ainda quantas corridas e em que datas? E como é possível que a empresa Ovação e Palmas, organizadora das corridas de toiros se acomode, numa atitude de subalternidade em relação aos proprietários da praça? (Entendo que não seja fácil, mas estamos a falar da primeira praça do país!). Que reacções houve da parte das estruturas representativas de classe dos toureiros e dos ganaderos, para denunciar e tentar corrigir esta situação? E as entidades representativas dos aficionados, designadamente as tertúlias? Quietas e caladas, parece...E finalmente: A Protoiro?
E com a sua saída do Campo Pequeno sente que ganhou ou perdeu “amigos”?
Os meus Amigos são sempre Amigos fiéis. Os meus” Amigos” são de outra natureza...não são Amigos. Como tal, são apenas conveniências...esses gerem-se, não se ganham nem se perdem.
O Rui é actualmente gestor das Praças de Toiros de Almeirim e Nazaré. Funções que aceitou por convite dos proprietários dos respectivos tauródromos, nunca por concurso. Encara isso como um voto de confiança no seu trabalho por parte de quem lhe endereça o convite?
Mais do que um voto de confiança, diria que são dois votos de confiança: Um voto, na correcção e transparência de processos que norteiam a minha conduta na vida; um segundo voto, no reconhecimento da minha qualidade enquanto promotor de espectáculos tauromáquicos, fruto do meu conhecimento de duas realidades que são complementares: o conhecimento do meio taurino e o conhecimento do mercado.
Mas nunca pensou concorrer, como tantos outros empresários, aos concursos de adjudicação de alguma praça de toiros? Prefere ser sempre “convidado”?
Prefiro, na verdade, ser solicitado a assessorar a entidade proprietária da, ou das praças de toiros, que assim o desejem.
Que balanço faz até aqui das épocas em que tem estado à frente da praça da Nazaré?
O balanço é muito positivo, tanto mais que as temporadas de 2020 e 2021 coincidiram com os confinamentos derivados da pandemia de Covid-19. Com tantas restrições na promoção de espectáculos tauromáquicos e no acesso do público a esses mesmos espectáculos, a tauromaquia mostrou a sua capacidade de resiliência, tendo sido, apesar de todas as limitações o primeiro espectáculo a reagir e a adaptar-se às determinações determinadas pela Autoridade de Saúde. Quero, salientar também o apoio e o excelente relacionamento existente com a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, proprietária da praça.
A Praça do Sítio da Nazaré é conhecida por um ambiente único. Sente por isso que a composição dos cartéis também tem que ter esse cuidado de se adaptar ao público?
A Praça do Sítio Nazaré tem qualquer coisa de mágico, tanto para os artistas, como para o público que a frequenta. Quanto aos artistas, não conheço nenhum que não goste, ou gostasse de ter actuado naquela praça. Quanto ao público, é de uma entrega total aos artistas. E tem ainda outra característica este público: generoso sim mas exigente também. Daí que, ao propor um cartel para esta praça, tenhamos de ser muito criteriosos. É um público muito eclético, pois admira por igual as diversas representações da arte de tourear, sejam os cavaleiros e forcados, o toureio a pé e até o toureio cómico.
Desde Maio de 2019 que ficou à frente também dos destinos da reinaugurada Arena d’Almeirim. Que balanço faz até aqui das épocas nessa praça?
Almeirim é uma praça de toiros ressuscitada. Fruto da visão da Santa Casa da Misericórdia, proprietária do imóvel, foi possível criar no edifício uma série de negócios que vieram dar uma actividade e criar valor acrescentado a esta centralidade de Almeirim. Tem sido um desafio muito importante para mim e que se está a tornar numa aposta ganha, fruto de uma comunicação muito fluida e proveitosa com a Santa Casa da Misericórdia. Lembro que a corrida de Setembro de 2021, uma corrida mista, foi um enorme êxito, tanto artístico como de público.
Prevê-se que, mais mês menos mês, as restrições impostas devido à pandemia aliviem bastante, se não mesmo um voltar à vida normal. Já foi divulgada a presença de Pablo a 10 de Abril em Almeirim... Mas que outros planos já tem para as duas praças, Nazaré e Almeirim, este ano?
Como calcula, estou a trabalhar na preparação da temporada para ambas as praças. Mas compreenderá que não seria ético da minha parte vir divulgar linhas de orientação que fossem, sem as ter discutido e sem as ver aprovadas pelas respectivas entidades proprietárias.
Enquanto gestor do Campo Pequeno, o Rui era um alvo apetecível, muitos queriam estar no seu lugar... Actualmente gere praças com menor visibilidade que a de Lisboa, sente por isso que agora tem a vida mais facilitada ou ainda assim, a competição pelo seu lugar, continua?
A competição é inerente à natureza humana....
Poderão aparecer mais praças sob alçada de Rui Bento nos próximos tempos?
Como diz o provérbio: “o futuro a Deus pertence”....mas nunca serei insensível a um bom desafio.
"Quero tentar colocar o Juanito no maior número de praças importantes de Portugal, Espanha e França"
Em relação a apoderamentos... E já em 2022, o Rui perdeu um mas ganhou outro, segundo se diz. Rui Bento era o homem certo que Juanito precisava nesta fase da carreira do jovem matador?
Assim é! Sou profissional do toureio e estas coisas acontecem...com a satisfação de que não me deixam muito tempo para descansar, pois rapidamente me chegam novos projectos. Pelo que já é público, o “Juanito” considera que sou a pessoa certa.
Como define o João Silva “Juanito” como toureiro?
Um jovem matador de toiros português com umas condições e qualidades artísticas excepcionais e uma ambição desmedida em querer ser figura do toureio. Conheço-o desde miúdo e tenho acompanhado de perto toda a sua evolução.
Tendo o Rui Bento sido também matador de toiros conhecerá perfeitamente as dificuldades que a profissão acarreta, principalmente em Portugal, e por isso que mais valia pode o Rui dar à carreira de Juanito?
Fundamentalmente transmitir-lhe a minha experiência que é, no fim de contas, a experiência de toda uma vida dedicada ao toureio, compreendendo as facetas de toureiro, apoderado e empresário. Acresce ainda o pleno conhecimento do nosso meio taurino, que tem tanto de complexo, como de apaixonante.
O jovem matador tem dado a cara em todas as praças por onde tem actuado, é um verdadeiro caso da afición portuguesa, falta-lhe agora os grandes palcos... Poderá ser pelas suas mãos que se proporcione, por exemplo, actuar como matador em Las Ventas?
Tenho já o compromisso assumido pela empresa que será após 26 anos de interregno, o próximo português a confirmar a alternativa de matador de toiros, na feira de Santo Isidro.
Que outros projectos tem para ele?
Tentar colocá-lo no maior número de praças importantes de Portugal, Espanha e França.
Foi também este defeso conhecido o fim da relação de apoderamento que mantinha há algum tempo com João Moura Jr.. Foi uma situação inesperada? Custou-lhe?
Não, não me surpreendeu...eu sempre mantenho uma relação muito autêntica e de total confiança com os toureiros que apodero. É público que, no final de cada temporada, sempre lhes transmito que, se tiverem outras opções ...(apoderamento/exclusiva) que lhes sejam mais favoráveis, estão absolutamente à vontade para decidirem o que e como melhor entenderem. Neste caso, foi estranha a forma como aconteceram as coisas...em meados de Dezembro, quando eu estava a preparar a temporada de 2022... Mas, obviamente, a minha admiração e respeito pelo Moura Jr. é total e desejo-lhe o melhor, tanto profissional como pessoalmente.
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