Entrevista: "A Associação Praça Maior não se está a despedir, nem a abandonar. Está a entregar. São coisas distintas"

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A Associação Praça Maior (APM) considera que a sua principal Missão está cumprida pelo que decidiu entregar de novo a Praça de Toiros “Celestino Graça” à Santa Casa da Misericórdia de Santarém, sua proprietária, para que se possa agora iniciar um novo ciclo de exploração deste imóvel, nos moldes e condições que a Santa Casa entender serem os mais adequados. Numa entrevista, tentámos entender melhor este 'fim de ciclo' e um 'eventual' futuro da APM.

APM: "Não somos obrigados a continuar e alguns já dissemos que não iremos continuar. Mas isso não significa que alguns não queiram protagonizar um novo ciclo."


A Associação Praça Maior surgiu em 2019 na gestão da temporada na Praça de Toiros em Santarém com o objectivo de revitalizar a praça, o que se veio a concretizar. No passado dia 4/12, no Jantar dos Abonados, assumiram o término do vosso trabalho à frente da Celestino Graça. Porquê essa decisão agora?

O que nós anunciámos no Jantar de Abonados foi que este ciclo, no qual nos propusemos a dar de novo vida à Monumental Celestino Graça e a colocá-la de novo no seu lugar de Praça Maior, estava cumprido. Apresentámos, àqueles que foram os primeiros a acreditar em nós e que nunca nos falharam com o seu apoio, os resultados do nosso trabalho, que demonstram claramente esta revitalização, mesmo condicionada pela pandemia que todos estamos ainda a enfrentar. Era, pois, o momento de dizer que esta missão estava cumprida e de agradecer a quem tanto nos apoiou e confiou em nós. Isso não significa que a Associação Praça Maior acabe ou não assuma no futuro outros desafios ou não queira protagonizar novos ciclos. O que significa é que este ciclo em concreto terminou e que consideramos que esta missão está cumprida.

Três temporadas apenas passaram desde que a APM assumiu este compromisso, sendo que duas delas condicionadas pela Covid-19. Depois de tanto tempo em que a praça de toiros de Santarém parecia ao “abandono”, não será agora prematura esta despedida?

A Associação Praça Maior não é uma realidade intangível. São pessoas concretas, com vidas concretas, com famílias, com trabalhos, com outros interesses além da tauromaquia. O trabalho que realizámos foi imenso e teve muito mais de invisível do que de visível. O resultado, infelizmente condicionado pela Covid, foram “só” 6 corridas de toiros. Mas nós preparámos tudo para dar 9, tendo 3 delas sido anuladas/adiadas nas vésperas, com tudo já pronto, e além disso, na maior parte dos casos com as nossas próprias mãos, lavámos a Praça nas 3 temporadas, numerámos a praça 2 vezes, limpámos o lixo acumulado de décadas e demos serventia a múltiplos trabalhos especializados, como a requalificação das casas de banho, a eletrificação dos bares e das bilheteiras, os arranjos da trincheira e dos curros, a substituição das portas dos setores e dos currais, a colocação de internet, etc., etc.
Dedicámos à Monumental “Celestino Graça” milhares de horas ao longo destes 3 anos num modelo de total gratuidade, com amor e por amor. Alcançámos o nosso objetivo principal que era reabrir as portas da Celestino Graça e voltar a dar-lhe vida. As 6 corridas que organizámos foram as 6 maiores enchentes que ocorreram em Portugal nestas 3 temporadas. Tivemos mais de 42.000 espectadores nestes espetáculos o que significa uma média superior a 7.000 espectadores por corrida o que significa qualquer outra praça de Portugal esgotada em época não covid. São 2 “Palha Blancos” esgotadas, mais de 2 Arenas de Évora, mais do que comportam o Campo Pequeno, a Moita, Coruche ou o Montijo. Pensamos que temos o direito de fazer um balanço e de concluirmos que este ciclo está cumprido, entregando a chave à Santa Casa da Misericórdia de Santarém e, sobretudo, entregando uma “Celestino Graça” revitalizada e de novo no seu lugar de Praça Maior. Mas a Associação Praça Maior não se está a despedir, nem a abandonar. Está a entregar. São coisas distintas.
 

Não há receio que vos suceda algum empresário ou empresa que volte a tornar a Celestino Graça numa ‘praça menor’?

Se há coisa que achamos que a Associação Praça Maior fez foi mostrar que é possível fazer assim, como fizemos. No estado em que a Praça hoje se encontra, não há nenhum motivo para que a “Celestino Graça” não continue a consolidar-se como uma Praça Maior. Caberá à Santa Casa da Misericórdia de Santarém criar um caderno de encargos adequado, e escolher quem lhe garanta estar em melhores condições para que não mais se registe um ciclo de degradação como aquele que aconteceu na década passada.

Foi dito nalguns órgãos de comunicação taurina que esta decisão surge por eventuais divergências entre os oitos elementos da associação. Confirma-se?

Existem alguns “players” na tauromaquia portuguesa que vivem com ressabiamentos, convivem mal com a verdade e nem sequer conhecem o significado de valores como o valor da Amizade. É pena que ainda haja quem os sustente e quem lhes dê eco, mas enfim… Nós 8, que protagonizámos este ciclo da Associação Praça Maior, antes de sermos aficionados, promotores tauromáquicos ou associados, somos grandes amigos e, no fim desta aventura a que nos propusemos, ficámos ainda mais amigos por isso, lamentamos defraudar quem poderia gostar de uma boa telenovela, mas a única divergência que tivemos foi clubística, pois uns gostámos que o El Juli tivesse vindo de “grana y oro” e outros preferiam “verde botella y oro”.

Com a vossa saída, pressupõe-se um concurso para adjudicação da Celestino Graça. Poderão alguns dos elementos da APM concorrer, agora como empresa, à gestão da praça?

Com este fechar de ciclo e com esta entrega da chave, caberá à Santa Casa da Misericórdia de Santarém definir como será o novo ciclo. Não existe nenhuma obrigação de levar a Praça a Concurso, podendo optar por esse ou por outro modelo que entender ser o melhor. Quanto aos 8 elementos originais da Associação Praça Maior, a única coisa certa é que dão por terminado este ciclo, com o sentimento de missão cumprida e gratos a todos os que nos ajudaram e nos apoiaram. Não somos obrigados a continuar e alguns já dissemos que não iremos continuar. Mas isso não significa que alguns não queiram protagonizar um novo ciclo. Mas isso, a acontecer, pertencerá a um novo ciclo, e nós, o que estamos agora a fazer é a fechar este, que foi protagonizado por estes 8 em concreto, num período concreto da vida da “Celestino Graça”.


Terminado que está o projecto, que iniciativas consideram que realmente fizeram a APM marcar a diferença e conseguir o sucesso do seu objectivo?

O que fez a Associação Praça Maior ter sucesso neste ciclo de revitalização da Associação Praça Maior foi o entusiasmo e o apoio dos aficionados e dos parceiros! E o que cria esse entusiasmo é um mix de muitas coisas (carteis sérios e atrativos, boa comunicação, um pricing atrativo e diferenciado, parcerias que criam valor, envolvimento das forças vivas, etc., etc.) e, sobretudo, muito, muito trabalho! 

Que de mais positivo retiram destas 3 temporadas e de todo este processo enquanto Associação?
O que retiramos de mais positivo é a recuperação e revitalização da maior Praça de Toiros de Portugal e a destruição de 3 mitos que já se consideravam verdades absolutas:
Mito 1: a “Celestino Graça” estava condenada por estar nesta localização longe da Feira Nacional de Agricultura. Ficou demonstrado que a localização da Praça não representa nenhum problema e é até uma mais-valia por ter excelente estacionamento, sendo que as pessoas que vão à Feira da Agricultura e querem ir aos toiros, não deixam de ir pelo facto de terem de fazer aquela pequena deslocação.
Mito 2: a “Celestino Graça” era grande demais para a realidade portuguesa. Ficou provado que é fundamental ter uma Praça deste tamanho em Portugal, porque é a sua dimensão que permite a democratização do acesso a este espetáculo, independentemente do tamanho do seu bolso, sem que isso coloque em causa a sustentabilidade da organização de um espetáculo que custa muito dinheiro a montar-se.
Mito 3: Já não havia afición em Santarém. Ficou demonstrado que Santarém é não só uma terra muito aficionada como tem esta capacidade de, pela sua centralidade, atrair aficionados de todo o país, sendo por isso uma cidade fundamental para a tauromaquia nacional.

E as maiores dificuldades sentidas?

Além das dificuldades do COVID e do comportamento lamentável das Autoridades de Saúde na altura da Feira do Ribatejo deste ano, as maiores dificuldades disseram respeito ao tempo que foi necessário dedicar a esta empreitada, isto porque todos temos, felizmente, vidas profissionais e familiares intensas. Mas foi tudo sempre levado com imensos apoios, sobretudo dos abonados e dos patrocinadores, imensa alegria e imenso amor, e quando é assim, as dificuldades ultrapassam-se. 

E depois do adeus… Que futuro para a APM?
Não é um adeus. É uma missão cumprida, um ciclo que termina. A Associação Praça Maior irá certamente continuar a existir e, como todas as associações, o seu futuro dependerá daquilo que os seus associados quiserem. Será sempre, certamente, uma Associação de Aficionados, empenhada na defesa da Cultura e da Identidade portuguesa, da Tauromaquia e, em particular, da Monumental “Celestino Graça”.



Fotografias: NATURALES/PedroBatalha

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