Crónica de 15 de Agosto: “A sorte é que foi na Messejana…”

NATURALES
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Em Messejana, congregam-se múltiplos fatores apetecíveis a um enraizamento taurino cada vez mais acentuado. Uma sorte que também requer audácia e essa é também a sorte da Messejana; quem a serve e não se serve dela, e o importante que isto devia ser em tanta praça por esse mundo taurino. Em Messejana sente-se o povo, o mais despido e puro possível, doutrinado pela paixão ao acontecimento e movido pela crença do espetáculo, alheio a termos racionais ou condutas que não explanem festa. A Praça esgotou, a Santa Casa da Misericórdia local angariou 11.200€ e o êxito estava à priori logrado. A sorte de Rui Palma dá trabalho, e há que reconhecer isso.

Quanto à corrida dita e escrita… a sorte é que foi na Messejana! Dá igual passagens em falso, ferros falhados, um cabo mudar de burladero enquanto um cavaleiro atua… seja o que for, o público aplaude, e de pé se for preciso. É fácil estar a gosto e tranquilo na Messejana, e talvez isso predisponha a posturas menos corretas ou comprometidas, e isso é um erro cabal.

O curro de Cunhal Patrício estava equilibrado no seu todo, de exímia e superior apresentação para a praça em questão. Pesado e rematado do primeiro ao último e daí advêm alguns problemas quando no Alentejo interior se fazem sentir temperaturas que facilmente chegam aos 40ºC. Faltou retidão e clareza às suas intenções, muitas vezes faltou força, e essencialmente faltou bravura. O quarto e o sexto foram os melhores, alegre e com tranco o quarto, mais codicioso e a transmitir o sexto (a querer mais do que podia na realidade).

Outra sorte da noite foi o profissionalismo de Luís Rouxinol, que na Messejana ou em Madrid, deixa o público agradecido por mais uma aparição sua. O manso primeiro com que abriu praça, pesado e acochinado, ligeiramente tocado, negro bragado meano axiblanco de pinta, fê-lo perder-se um pouco pelo curto ruedo. Os compridos foram para esquecer e a lide de curtos foi improvisada mediante o possível, embora alheia de qualquer momento destacado. O seu segundo, negro mulato com 560kg, foi nobre e alegre, teve tranco e ritmo, faltando-lhe finais e a indispensável casta. Rouxinol deu aula de como se toureia um animal em excessos e que a qualquer momento podia rachar. Tempo e calma, num intercâmbio de intenções entre toiro e toureiro que resultaram. O palmo e par com que selou a lide deixou o público quente e de sorriso no rosto, e isso é bonito de ver no povo.

Andrés Romero esteve muito longe de lograr alguma virtude, mesmo sendo na Messejana… O segundo Cunhal Patrício da noite não destoou muito das intenções do seu anterior irmão, manso e sem vontade, a esperar e a raspar, também ele pesado e a desgastar rápido quando elegeu os médios como os seus terrenos, pesados e a dificultar a locomoção de uma corrida baixa e agarrada ao chão. O rejoneador não teve argumentos, ou vontade, para sequer contrariá-lo. O castanho escuro que fez quinto, muito curto, cornicurto e de lomo recto, queria ousadia pela frente para lhe vermos as intenções… Só encontrou um rejoneador perdido pelo ruedo, com vários toques, passagens em falso, ferros falhados e sem capacidade para inverter o iminente fracasso.

O terceiro toiro da noite, perdeu a pouca voluntariedade que tinha com os sucessivos erros de Miguel Moura. Recebeu-o bem a dobrar-se com vontade e sentido, mas a partir daí a queda foi a pique. A preparação das sortes foi completamente injustificada e arredada de cuidados, partindo sem rectidão e abrindo quarteios sem sentido. Ferros falhados, passagens em falso, e as poucas jurisdições logradas foram traseiras. O segundo do seu lote foi um bonito bragado quase burraco que queria muito mas estava limitado, pelo peso, pela arena, e até pela sua coordenação motora. Mas teve fundo, transmitia e lutou o que pode para que houvesse um desfecho brilhante, mas foi recolhido e o brilho não se viu. O momento de Moura esteve na grande sorte de gaiola com que o recebeu e a forma como rematou, de nível e qualidade. Acertou com os terrenos, afinou a brega ladeando com garbo mas voltou a não transcender na ferragem. As reuniões foram na sua maioria passadas e longe do sítio que emociona, ainda que na Messejana qualquer ferro emocione, e a sorte ainda foi essa… O seu último foi o melhor, desenhado de frente e em frente, com o quarteio aberto no limite e o morrilho farto debaixo do braço. Foi isso que faltou aos restantes. Era Toiro para mais… mas é o que há!

Nas pegas havia em disputa Troféu para o melhor Grupo em Praça, no qual comparti avaliações com Solange Pinto e Paulo Capela, tendo a escolha recaído nos Amadores de Beja que efectivaram dois intentos seguros e com muita disponibilidade e qualidade a ajudar. Foram solistas Nuno Vitória, que reuniu a cair mas teve vontade em ficar e se recompor na cara do Toiro, que foi eximiamente ajudado por um grupo jovem e com vontade, algo de exaltar hoje em dia; Manuel Maria Vicente esteve correcto a fechar a corrida diante um Toiro que só pedia estar bem e sereno, fácil na viagem e sem incomodar ou derrotar de má forma, estando novamente o grupo coeso e com poder a ajudar.

Para o segundo da noite foi escalado o experiente e veterano Ventura Doroteia dos Amadores de Cascais, que esteve com a vontade e decisão que o caracterizam com o mais pesado da noite, com força e poder. Esteve valente na segunda tentativa, aguentou e consumou com mérito próprio, com o grupo mais tardo a mover-se. João Galamba citou sereno e esteve acertado com um Toiro nobre que veio pelo seu caminho sem incomodar, consumando no primeiro encontro.

Manuel Trindade dos Amadores de São Manços aparentou algum nervosismo no cite, reuniu com mais eficácia que técnica e uma boa primeira ajuda permitiram à formação consumar no primeiro encontro. Pedro Pontes só à segunda consumou, com uma viagem mais longa em que o Toiro foge ao grupo mas o mesmo acorre com sucesso.

Dirigiu com afición Agostinho Borges.



Pedro Guerreiro
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