Crónica da Corrida Mista em Lisboa:"Os argumentos dos artistas taparam os 'buracos' das bancadas"

NATURALES
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A crónica da corrida mista que na passada quinta-feira se realizou na Praça de Toiros do Campo Pequeno podia resumir-se a contar sobre as poucas pessoas que acorreram à praça para esse festejo.

Se já é castradora de público a norma imposta face ao vírus que não há meio de nos largar, mais castradora parece a palavra “mista”, cada vez que um festejo dessa categoria se anuncia em Lisboa. Não fosse esta ser uma situação comum no passado recente, e eu, preferiria acreditar que os aficionados não compareceram por medo ao bicho corona, o que também não é válido, já que dentro de praça reina um ambiente de segurança.

Dirão que talvez não exista afición ao toureio a pé em Portugal. Não acredito. Serão poucos, talvez, já que a exigência muitas vezes associada ao gosto pela arte de ‘Montes’, não se coaduna com falta de critério de que vive o nosso espectáculo tauromáquico, nem do falso “triunfo” que a cada festejo nos querem atirar para os olhos. E também porque os ‘puristas’ nunca se reverão numa tauromaquia que não é integral. E, talvez por isso, não apareçam.

Mas a verdade é que apesar de pouco público, e não tendo sido na minha avaliação uma noite em redondo, todos se valeram de argumentos e alguns bons momentos que taparam o que faltou às bancadas.

Voltando à corrida…

Lidaram-se toiros da ganadaria Vinhas, este ano a comemorar 75 anos de existência, que saíram no geral pesados, variados de pelagem, sendo mansos com mobilidade, nobres e sem imporem dificuldades quer a cavalo quer a pé. Pediram alguns das bancadas, a que o director acedeu, que fosse o maioral ao ruedo pelo desempenho do quarto.

Da parte equestre, António Telles realçou a sua virtude de, além de toda a classe que o acompanha, saber tourear. Coisa muito rara nos tempos que correm, em que para muitos basta cravar os ferros com ‘impacto’, nem que para isso se faça o pino. E foi essa característica lidadora a que marcou diferença nas actuações do cavaleiro da Torrinha. Frente ao ‘fácil’ primeiro, depois de ter escutado música logo após o primeiro curto e ter cumprido com o segundo, a actuação acabou por vir a menos. Já no segundo do seu lote, um toiro de investida incerta e com o qual não se podia pestanejar muito, acabou por se confiar com o decorrer da lide e o resultado foi inverso, vindo o desempenho a crescer, e o cavaleiro a andar mais a gosto e a convencer as bancadas.

Francisco Palha deu quase sempre primazia ao partir de largo para os seus toiros, encurtando depois as viagens para cravar com exuberância a ferragem da ordem. Resultou melhor a primeira, até pela nobreza do toiro, do que a sua segunda lide, frente a um toiro mais reservado e da qual nos fica a valorosa sorte gaiola com que recebeu a rês e cujo ferro comprido rematou com uma brega templada, voltando depois a dar importância ao segundo comprido. Cumpre mencionar não só a sua eficiente brega, como aquele terceiro ferro ao seu primeiro, em que aguentou a curta distância, para depois carregar e cravar de alto a baixo, bem como o que a ele se seguiu, com o toiro a meter a cara alta no momento da reunião.

Nem sempre a noite foi feliz para os dois Grupos presentes em praça. Os Amadores do Barrete Verde de Alcochete, em ano de 55º aniversário, não começaram de boa maneira a sua prestação em Lisboa, com o pequeno “grande” forcado Diogo Amaro, a sofrer violento derrote que o deixou sem se levantar, recolhendo à enfermaria e posteriormente ao hospital, onde felizmente foi diagnosticado que tudo não passou de um susto. Foi dobrado pelo seu irmão, Bruno Amaro, que consumou com ajudas carregadas. João Armando foi protagonista de um dos momentos altos da noite, ao reunir à barbela, com decisão, aguentando a viagem até tábuas, onde o grupo ajudou a consumar. Pegou à primeira. Pelos Amadores de Alter do Chão, Filipe Ribeiro só à quarta concretizou depois de intentos infrutíferos. João Galhofas saiu lesionado do seu primeiro intento, sendo dobrado por Filipe Lucas, que por duas vezes também não efectivou, acabando por concretizar a pega, o forcado João Moreno.

O matador de toiros António João Ferreira regressava a Lisboa um ano após ali ter sofrido grave colhida que o maltratou e afastou das arenas desde então. Concretizou duas faenas similares de conteúdos, e nas quais sobressaiu a técnica e a entrega. Na primeira, mais discreta, o empenho foi notório mas a actuação nunca rompeu, perante uma rês que baixava a cara mas de investida curta, impedindo a ligação nas tandas. Frente ao último, sentiu-se mais disposição do toureiro que iniciou de capote com os pés fixos ao ruedo, e que consentiu pisar outros terrenos mas teve menos classe o que teve por diante, que pouco quis pela esquerda. Ressalvar o papel sempre exemplar dos bandarilheiros lusos, neste caso estiveram ao serviço do matador, Pedro Noronha, João Oliveira e o seu irmão, João Ferreira, que cravou dois pares de elevada nota.

Dirigiu a corrida o sr. João Cantinho, assessorado pelo veterinário Jorge Moreira da Silva, numa corrida que iniciou com homenagem à ganadaria Vinhas e ao Barrete Verde de Alcochete pelas respectivas efemérides.



Patrícia Sardinha

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