Crónica do Campo Pequeno: “A variedade do Toureio – ou a falta dela”

NATURALES
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A Tauromaquia tem tanto de bela como de rica face à variedade de conceitos, de sortes, de encastes que lhe concedem uma pluralidade na forma como a arte se pode manifestar na arena.

Nesse sentido, todas as sortes – desde que dentro dos canônes da Tauromaquia e não de invenções que de toureio pouco têm – podem e devem ser realizadas, e para mais quando bem aplicadas consoante a matéria que se tem pela frente. Matéria essa, o toiro, que também de acordo com o encaste, oferece diferentes condições quer morfológicas quer comportamentais ao toureio. E para todos, sortes e encastes, há portanto lugar num espectáculo tauromáquico.

O problema é quando a variedade escasseia e as lides já vão feitas e ensaiadas de casa independentemente do tipo de toiro que se possa vir a ter por diante…

A 3ª corrida do abono lisboeta realizou-se nesta última quinta-feira de Agosto com boa presença de público, dentro das limitações impostas pela pandemia, e iniciou com uma homenagem a D. Francisco de Mascarenhas pelos 75 anos de alternativa, bem como ao 45º aniversário do Aposento da Moita e ainda um minuto de silêncio em memória do campino Carlos Custódio, recentemente falecido.

Foi lidado um curro de toiros da ganadaria de Francisco Romão Tenório, cumpridores no geral em apresentação e dentro do tipo do encaste. Em comportamento, houve-os com mais ou menos mobilidade mas no geral mansos, cómodos, a perseguirem a passo e a transmitirem pouco.  Uma ‘comodidade’ que muita agrada à grande maioria dos artistas.

Em praça, três jovens cavaleiros oriundos de dinastias toureiras, de quem se esperava obviamente competição, e todos já com créditos firmados ou pelo menos presumem isso. Pelo que, a qualquer um dos três, se lhes exige o nível seguinte do jogo, o que para alguns será lidarem toiros de diferentes encastes e para outros, aprenderem que o toureio tem mais sortes…

João Moura Caetano teve o lote mais complicadote, é um facto, mas também nem sempre conseguiu o próprio contornar as dificuldades. Frente ao primeiro começou logo por dar distâncias nos compridos (que é quase como começar pelo fim) resultando inclusive o primeiro descaidíssimo. Melhorou registo nos curtos ainda que sem regularidade no ofício e a consentir algumas passagens em falso. No segundo do seu lote, escassearam os argumentos para dar volta a um toiro parado, distraído e tardo de investida, pelo qual a solvência teria que passar por sortes de recurso. João Moura Jr. anda confiante, e ainda que as montadas na sua maioria sejam estreantes, o cavaleiro denota uma grande segurança e marcou a diferença da terna com as duas actuações mais homogéneas de resultados. Dou-lhe essencialmente mérito porque na sua primeira actuação, frente a um toiro que teve acima de tudo mobilidade, não houve um dos seus bandarilheiros que pusesse um pé na arena e o Mourinha aplicou-se, e bem, na brega. Sucederam-se sortes de largo, por vezes sem o toiro estar com o toureiro, e aí sim, lá espreitava um capote da trincheira para o fixar. No quinto, voltou a “fotocopiar” a primeira lide com os cites de largo, os quais depois acaba por ser o próprio a encurtar já que estes toiros não se arrancavam a tão comprida distância. Durante a preparação do ferro, onde o toiro se desligasse do cavalo aí ficava, e ele lá vinha do lado oposto para deixar a ferragem. Destacou-se com o que é já sua imagem de marca, as “mourinas”. Duas, e das boas! Com a atenção de não descurar os remates das sortes. João Telles Jr. tem a grande virtude de andar bem montado mas num toureio praticamente sempre apoiado nas batidas ao piton contrário, o que por vezes, ao mandar o toiro para fora, condicionam o ajuste da reunião. Frente ao primeiro, reservado mas que quando se lembrava de investir o fazia com maldade, ainda consentiu forte toque e algumas passagens em falso, mas a actuação acabou por vir a mais. Já no último, e pese embora ter sofrido novamente uma colhida que o deitou ao chão, o cavaleiro arrimou-se de ‘ilusão’ e foi com o Ilusionista que reforçou um toureio assente nos quiebros, que causaram grande impacto nas bancadas. Destaque para os dois últimos.

Nas pegas a emoção foi sempre mais verdadeira, pois aí os toiros, ainda que sendo encaste murube, ‘batiam’ com mais verdade.

Pelos Amadores de Évora, o seu cabo, João Pedro Oliveira deu o exemplo com uma grande pega, e uma boa primeira ajuda; António Alves consumou à terceira, e novamente aqui com bom ofício do primeiro ajuda, depois de dois intentos com o toiro a derrotar violentamente; e Ricardo Sousa também só à terceira consumou.

Pelo Aposento da Moita, o cabo Leonardo Mathias voltou a provar que é um dos bons forcados da actualidade, fechando-se com decisão à primeira e aguentar a ‘patita’ do toiro; Martins Lopes também à primeira efectuou uma boa pega; e terminou a prestação do Grupo, João Ventura, também ele bem à primeira.

Dirigiu a corrida, com algum critério, o senhor Ricardo Dias, assessorado pelo veterinário Jorge Moreira da Silva.

Termino com uma frase que curiosamente li hoje por aí e para pensamento de fim-de-semana“A toro pasado, todos somos Manolete”.



Patrícia Sardinha 

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