Crónica Coruche: "Não há nada como uma tourada..."

NATURALES
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"...com mais emoção. Não há festa com mais cor, que mais fale ao coração.”

Intitulo o meu escrito sobre o passado sábado em Coruche com um excerto de um conhecido fado, por duas razões. A primeira claro está, prende-se com o facto do dito fado versar sobre esta forma tão nobre e emocionante de Cultura que é uma Tourada. A segunda razão prende-se com o verdadeiro “Fado” que houve em Coruche, daqueles que nos afundam e fazem lembrar a morte e o risco da vida.

Acalmem-se desde já os arautos da desgraça e venenosos, que a corrida de Coruche teve um decorrer quase apelidável de “trágico” mas por motivos que fazem falta à festa, isto é, por emoção. Os São Torcato lidados nesta nocturna, bem apresentados, tiveram os pesos de 520, 510, 470, 470, 500 e 485 kg, respectivamente. 

Compunham o cartel os cavaleiros Luís Rouxinol, Ana Batista, Manel Telles Bastos e João Moura Jr. e os matadores, Nuno Casquinha e Diogo Peseiro, bem como os Forcados Amadores de Coruche e os Forcados Amadores do Aposento da Moita.

Abriu festejo o veterano Luís Rouxinol frente a um complicado toiro que lhe calhou em sorte, que o obrigou a puxar dos galões e afirmar uma vez mais, que anda cá para qualquer toiro. O "São Torcato" adiantava-se, sendo o mais complicado da corrida, levando o cavaleiro de Pegões a agigantar-se ao seu adversário e honrar o público.

Ana Batista teve pela frente um toiro menos chato que o anterior mas que também se adiantava ao cavalo, dificultando a tarefa à cavaleira. Ana andou regular nos compridos, demorando a entender-se com o toiro, até que, numa adiantada do toiro, deixou-se apertar em tábuas levando toques impetuosos e com maldade do São Torcato que teve em sorte, acabando projectada de forma impetuosa na arena. Não conseguiu prosseguir a sua lide acabando por seguir para o Hospital.

E aqui começava o dito fado desta noite, pois sentiu-se após a queda de Ana Batista, um nervoso e uma emoção em praça, o relembrar que o toiro aleija e aperta... havia medo, havia aquilo que a festa necessita...emoção.

O matador Nuno Casquinha, um dos nomes fortes do toureio a pé em Portugal, que procura a sua afirmação, andou esforçado mas dedicado perante um toiro que lhe colocou dificuldades várias, desde logo pela pouca transmissão. Ainda assim, viu-se uma série de muito boa nota do matador e um par de bandarilhas igualmente de elevadíssima nota.

Durante a faena de Nuno Casquinha, o bandarilheiro João Viegas colocou um par de bandarilhas para cumprir a prova de bandarilheiro profissional.

Actuou também o novilheiro Diogo Peseiro, uma das jovens promessas do toureio a pé, que procura afirmar-se pela diferença e vontade não lhe falta. Recebeu o toiro de porta gaiola com um par de bandarilhas, embora não tenha sido bem sucedido, valeu o esforço. A actuação resultou menos regular mas, ainda assim, e perante um exemplar mais cooperante da ganadaria São Torcato, Peseiro soube tirar sumo deste e marcar uma actuação com boas séries, dando ainda espaço a uma voltareta na sorte de muleta ainda que, sem consequências.

Seguiu-se Manuel Telles Bastos que andou bem, confiante, assertivo, com uma actuação de qualidade. Certo é que teve pela frente o melhor dos São Torcato, toiro que se empregava e transmitia para diante, levando emoção de sobra às bancadas, e por vezes a emparelhar-se com o cavalo.

Fechou a noite João Moura Jr. e com ele, infelizmente o fado acentuou-se e tocou notas que desnortearam toda a praça. O ginete de Monforte começou bem, com uma sorte de compridos regulares, seguindo para curtos com uma das estrelas da sua quadra, o “Xeque-Mate”. Brindou o público com umas bonitas e ajustadas bregas a duas pistas, imagem de marca de Moura Jr. e deste seu Xeque-Mate. Porém, para azar do toureiro e para surpresa e pânico do público, deixou-se colher aparatosamente, tendo o impetuoso São Torcato enganchado a perna da montada de Moura Jr., prostrando a mesma na arena inglória com uma fractura gravíssima .

Gerou-se constrangimento e pânico na monumental Coruchense, acabando o ginete por recolher à enfermaria inconsolável por tão dura perda, bem como, também ele lesionado na boca.

Se tudo quanto até agora falámos seria mais que suficiente para marcar o festejo, quis Deus que não fosse só.

Na rapaziada da jaqueta, também não foi uma noite de sonho.

Pelos Amadores de Coruche, pegou o 1º toiro o forcado Miguel Raposo à primeira, com o grupo a ajudar bem; quanto ao segundo toiro, viu-se o grupo impedido de pegar devido ao acontecimento com Moura Jr. que levou a que o toiro fosse recolhido e posteriormente o Inteligente não tenha autorizado a continuação da corrida com recurso ao “Chefe de Lide” ou cavaleiro mais velho de alternativa para acabar a lide do toiro, tendo os amadores de Coruche perdido a oportunidade de pegar o seu segundo toiro.

Já os forcados do Aposento da Moita, tiveram uma noite para a memória pelo “fado” que lhes tocou em sorte. No 1º toiro que lhes coube em sorte, não foi possível a pega uma vez que, durante a colocação para a pega, este partiu um dos pitons, ficando inutilizável. Enquanto que no segundo que lhes tocou, o forcado da cara, João Ventura, saíu inanimado à 2ª tentativa indo para a dobra o forcado Luís Fera que também à segunda tentativa cedeu perante a violência do São Torcato, acabando a ser helitransportado, consumando a pega o cabo Leonardo Mathias na que foi a sua primeira tentativa.

E foi esta a história da nocturna em Coruche, em que o toiro deu emoção.

Vi em muito lado apenas referência à tragédia, acho redutor ficar por aí. Apesar dos acontecimentos a corrida teve aquilo que leva os aficionados a pagar bilhete, Emoção!
Se essa se deveu à brutalidade dos toiros? Possivelmente, e refiro novamente, faltou alguma nobreza de comportamento em grande parte das reses... Mas a festa precisa disto! 

Quem vai às corrida meramente aplaudir e sem expectativa de emoção, então não sabe ao que vem e isso é um dos males da festa, é o “meramente para aplaudir”.

Ora vejamos, se o toureiro está mal? Aplaudem. Se o touro não se mexe, não investe mas o toureiro dá umas graças? Aplaudem. Se o touro é bruto, se entrega e aperta com os cavaleiros? Ficam chocados e em modo tragédia...

O toiro é dono e senhor, há azares e há momentos que não podemos controlar, mas toiros a apertar como estes, fazem falta à festa, não só para obrigar os toureiros e forcados a estar a níveis altíssimos, mas também para trazer de volta a emoção genuína na bancada de que de facto os toiros fazem mal.

Em muitos anos de corridas, nunca senti a boca tão seca como ontem, uma corrida enervante e cativante, daquelas que fazem falta. Dirigiu a corrida o Sr. Marco Cardoso, com algumas falhas ou decisões de menor mérito, mas nada de grave.

Deixar uma última palavra à empresa que homenageou de forma póstuma um dos grandes da Tauromaquia portuguesa e incontornável figura coruchense, o Mestre Manuel Badajoz, tendo a praça registado meia casa mas, e com um festejo digno da figura que ousaram homenagear, bem-hajam.


Francisco Potier Dias



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