Crónica da Corrida do Campo Pequeno: “Nem me apercebi…”

NATURALES
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O tempo que se fez sentir todo o dia de quinta-feira em Lisboa, adivinhava o estado de espírito com que ao final da noite, sairíamos da Praça de Toiros do Campo Pequeno: chuvoso, frio, desconfortável, apático, maçador…

Vivia-se a inauguração da Temporada de Abono alfacinha mas longe do glamour e sem a assistência de outras aberturas. Se foi do tempo, se foi do cartel, se foi simplesmente por pura e livre vontade dos aficionados em não estarem presentes, isso não sei…mas muitos não foram, e não é por falta da existência deles!

A corrida anunciava-se como um concurso de ganadarias mas deu-nos igual que assim fosse. É que o curro saiu no geral quase tão semelhante de comportamento, que até o prémio ‘bravura’ resultou ex-aequo entre o de Pinto Barreiros e o de David Ribeiro Telles. Provavelmente, se cada um daqueles toiros tivesse sido lidado, que não o foram, talvez pudéssemos ter a possibilidade de os ver melhor, de os distinguir melhor, e esta coisa dos prémios não resultasse num empate. Foram sim, animais bem apresentados, principalmente o sério Veiga Teixeira, uma estampa e um par de pitons de impor respeito. Destoou dos restantes, e principalmente pôde ter envergonhado a primeira praça do país, o sobrero de Santa Maria, saído em último lugar.

João Salgueiro diz que sonhou muitas noites em regressar ao toureio, e nós, continuamos a sonhar em vê-lo ‘regressar’. Não foi a noite esperada, antes sim desinspirada, não se viu génio nem genialidade, continuaremos a esfregar a lâmpada… Em ambas as actuações, Salgueiro limitou-se a deixar a ferragem, carecendo as actuações de algum temple, sem a segurança de um toureiro com quase 30 anos de alternativa, mas também, sem uma quadra renovada e que lhe pudesse valer de maior ajuda. Primeiro, frente a um toiro de Pinto Barreiros, voluntarioso, com mobilidade, e que por vezes se arrancou pronto ao cite do cavaleiro que lhe consentiu dar vantagens, predispondo-se o toiro sempre a perseguir ainda que faltando alguma emoção nas investidas. E depois, ainda mais limitativa e apática actuação frente ao quarto da ordem, um toiro de Murteira Grave, bem apresentado e colaborador, que pecou pela pouca lide que lhe foi dada e daí, não nos atrevermos a aventar mais considerações.

João Telles Jr. andou em plano ‘triunfador’ mas aquém do plano lidador. O jovem cavaleiro predispôs-se a chegar às bancadas, com muita entrega e disposição, logrando os melhores e mais sentidos momentos da corrida com actuações vistosas. Excedeu-se a meu ver, nos gestos de ‘artista’, entre uma mão que muito andou no ar, de um lado para o outro, ‘olvindado’ quiçá que haveria um toiro para ser lidado. Resultou mais conseguida a actuação frente ao toiro da sua casa, de David Ribeiro Telles, animal com som, com raça e também a arrancar-se de largo, e onde João Telles Jr. se destacou realmente pela franqueza do terceiro curto, de cima abaixo. No que lidou em quinto lugar, o sério e bonito Veiga Teixeira, de menor perseguição, Telles Jr. usou da brega mas impôs pouco mando, ficando o toiro onde queria e não nos terrenos em que o cavaleiro poderia impor. Evidenciou-se num toureio em que a ligeira batida a meio da sorte predispunha à espectacularidade, nem sempre concretizando de forma mais ajustada a ferragem.

Manuel Manzanares está longe do conceito dos rejoneadores-figuras. Possui um perfil mais clássico, de menos alvoroço e número, num misto de ferros bem conseguidos e outros momentos de pouca ou nenhuma história. Frente ao toiro de Santa Maria, animal que também se deixou ainda que sendo mais reservadote e com pouca força, o rejoneador espanhol nunca se fiou muito, sem comprometer nas reuniões e passando discreta a actuação. Não poderia brilhar frente ao sobrero de Santa Maria (em substituição do lesionado São Torcato), que fechou a corrida e deixou perdido o trapio algures por aí. Ainda assim, consentiu o espanhol nesta lide três grandes curtos, numa actuação também ela de altos e baixos.

Se nas lides os toiros não impuseram dificuldades, também não as deram aos forcados.

Pelo Grupo do Real de Moura, abriu funções Cláudio Pereira à primeira tentativa com segurança e o grupo coeso; também Rui Ameixa efectivou bem e ao primeiro intento; e Valter Rico, o cabo do Grupo, consumou à primeira uma pega rija, aguentando a raça e a investida do toiro.

Pelo Aposento da Moita, João Rodrigues fechou-se como uma lapa consumando à primeira; Nuno Inácio efectivou à segunda tentativa; e José Maria Bettencourt sofreu forte derrote no primeiro intento, consumando também à segunda.

E posto isto, achei curioso o comentário de uma senhora aficionada numa fotografia publicada nas redes sociais, aquando o momento das cortesias da corrida de quinta-feira: “Já começou a época no Campo Pequeno? Nem me apercebi…”.

Pois, nem nós…
Por: Patrícia Sardinha