Corrida dos Maestros no Campo Pequeno: "Maestro só houve um…"

…o da Banda do Samouco e mais nenhum. Afinal de contas, e segundo a definição*, ser Maestro é dirigir uma orquestra. Mas foi dessa forma que nos tinha sido apresentada a corrida da passada quinta-feira no Campo Pequeno, como um ‘Confronto de Maestros’, que diga-se de passagem, suscitou interesse para ver a forma como três dos mais ‘rodados’ cavaleiros tauromáquicos nacionais, iriam defender os seus pergaminhos na primeira praça do país.

No entanto tenho para mim, e a ver pela história da Tauromaquia, que o termo não estaria bem aplicado, pois no toureio a cavalo sempre se apresentaram as grandes figuras ou experientes equitadores como Mestres e não como Maestros, o que geralmente se pronuncia em 'espanhol' para os grandes do toureio a pé.

Sendo assim, maestro só vi o da Banda do Samouco, mais uma vez cumpridora no repertório e afinadinha. Já mestres na arena… Viram-se três, sim senhor, cada um dentro do seu conceito mas houve um que realmente ‘piou’ mais alto.

Lidaram-se toiros de Santa Maria, um curro desigual de apresentação, pequenos, gordos e com pouca cara. Em comportamento foram mansos, alguns a descair para tábuas, de investidas curtas mas manejáveis, sem levantarem complicações aos artistas, o que por sinal faz deles ‘bons’ toiros, sendo complicados de verdade os lidados em terceiro e sexto lugar.

E para a importância do cartel, um público à altura a proporcionar uma casa com ¾ de lotação.

O mais veterano dos nossos cavaleiros no activo, João Moura, é ‘Mestre’ não só por todo o historial e contributo que teve na história do toureio a cavalo nacional mas por chegar ao Campo Pequeno, com 37 anos de alternativa, e ter cumprido de forma digna a sua passagem naquela praça. Andou melhor frente ao primeiro, onde as intenções das sortes bem desenhadas culminaram com ferros correctos perante um toiro com 560 kg, de pouca perseguição nos remates e por vezes a descair para tábuas. Viram-se alguns pormenores de boa brega do cavaleiro de Monforte mesclados com a intervenção do bandarilheiro na colocação do toiro nos terrenos, para que depois Moura partisse de largo e deixasse a ferragem. No seu segundo, um toiro com 600 kg que saiu com patinha à montada de João Moura e que foi uma irmã de caridade, o cavaleiro limitou-se a cumprir com a ferragem, nem sempre cingida, com uma passagem correcta mas discreta, culminada com dois palmitos.

António Telles, com 32 anos de alternativa, é o ‘Mestre’ do Toureio Clássico dos tempos que correm. Exímio protagonista da arte de marialva, do bem montar e bem tourear, o cavaleiro da Torrinha teve duas actuações cumpridoras onde ressaíram os bons ofícios na brega. Frente ao primeiro, toiro com 580 kg, um manso de pouca perseguição após a ferragem, viram-se os pormenores da classe de António Telles na forma como durante a lide o fixou na montada e lhe escolhia os terrenos. Dos ferros, fica-nos o quarto curto, de alto a baixo. Já no que foi quinto do lote, o mais pesado da noite, com 605 kg, António ainda consentiu algumas passagens em falso perante um toiro tardo de investida mas que quando encontrou sítio, o cavaleiro pôs em crescendo a sua actuação cumprindo com sortes frontais na colocação da ferragem.

Luís Rouxinol ainda não passou a barreira dos trinta de alternativa tendo (apenas) 28 anos de categoria máxima no que aos cavaleiros diz respeito. E se aos cavaleiros anteriores justifiquei, no início dos respectivos parágrafos que lhes dediquei, o porquê de serem mestres… Luís Rouxinol justificou-o ele próprio ontem no Campo Pequeno, até porque cada um escolhe o seu destino...e mesmo com os mansos ele escolheu triunfar! Não, não teve actuações perfeitas, nenhum outro as teve. Mas tocou-lhe o pior lote, as piores condições de toda a noite e mesmo assim, não baixou guarda e entregou-se à luta. Perante dois mansos complicados Luís Rouxinol provou, e como alguém me disse ontem na Praça, que “isto é ser Mestre!”. O primeiro do seu lote, com 605 kg, foi animal a quem muitos outros ‘maestros’ teriam levantado os braços e encolhido os ombros como que a dizer “não dá…não dá…”, viravam costas e faziam-se à porta dos cavalos, rodando o dedinho indicador “para a próxima, para a próxima…”. O toiro tinha 605 kg, foi manso, aos arreões, desligando-se do cavalo e a fugir para tábuas. Rouxinol não foi feliz na ferragem comprida, inclusive consentiu um toque mas nos curtos foi brilhante na forma como fazendo uso do Átila tentou contrariar as querenças do toiro que brusco, lhe metia alta a cara na perseguição. Com o animal fechado em tábuas, levantou bancadas com a forma como se entregou e se fez ao toiro para deixar a ferragem. Uma actuação de guerreiro, que rematou com um bom ferro de palmo. No que fechou a noite, voltou a ter que redobrar ofício! O toiro, com 530 kg, um manso que não se empregava nas sortes, Rouxinol andou vistoso nos ladeios, correcto na escolha dos terrenos do toiro, ainda que por vezes as reuniões resultassem mais atravessadas. Mas foi novamente uma lide de muito empenho do cavaleiro de Pegões a quem depois de um palmito e do habitual par, lhe foi exigido e com o público de pé mais outro, bem correspondido por parte de Rouxinol. Duas actuações de muito mérito e que demonstraram bem que os toiros mansos, dependendo da Figura que lhes aparece pela frente, também têm lide. 

Nas pegas a noite resultou praticamente equilibrada para os três Grupos em praça. 

Os Amadores de S. Manços a comemorarem em Lisboa as bodas de ouro, abriram a noite por intermédio de João Fortunato, que consumou à segunda, aguentando bem, depois de no primeiro intento ter rodado na cara do toiro. Pedro Fonseca concretizou bem à primeira com o toiro a baixar-lhe a cara. 

Pelo Real Grupo de Moura pegou Xavier Cortegano muito bem à segunda, ficando com uma lapa na cara do toiro que ainda o tentou despejar, depois de na primeira tentativa ter sofrido derrote. Valter Rico, cabo do Grupo, concretizou no seu primeiro intento a dobrar João Cabrita que saiu lesionado da sua primeira tentativa.

Pelos Amadores da Chamusca, João Vasconcellos à primeira foi posto no chão pelo toiro com alguma violência, ao segundo intento foi eficaz na reunião com o toiro a levá-lo levantado na viagem até ao grupo. Luís Isidro depois de duas reuniões não conseguidas, efectivou à terceira e com ajudas.

Dirigiu a corrida sem problemas o sr Manuel Gama assessorado pelo veterinário Jorge Moreira da Silva. 

*Maestro = (substantivo masculino) pessoa que dirige orquestra ou coro