A crónica da 1ª da temporada lisboeta de 2015

NATURALES
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"S.O.S."
 
... Ou Sós, que é como alguns de nós nos sentimos neste meio taurino, onde muitas vezes parece que vemos coisas diferentes da maioria do público. Mas tal como há diversidade no toureio, diversidade nos encastes, liberdade de gostos e opiniões, cá andamos nós também, mas sós...
 
A corrida inaugural do CP provou isso mesmo, existe toda uma nova vaga de 'aficionados' (infelizmente muito composta até por gerações antigas - e aqui então a culpa é da má (in)formação que já vem de trás), de novos entendimentos, que infelizmente nem sempre consigo acompanhar!
 
Mas como diz o outro, interessa é casa cheia, importa é que o público sinta, e houve nesta quinta-feira momentos em que o público sentiu até demais... O que me assusta.
 
Contrariando todas as expectativas, esta corrida não esgotou! E atenção, não jogava o Benfica...
 
 
O curro da ganadaria Pinto Barreiros andou no limiar da apresentação para uma praça de primeira, justos de presença e de força. Houve animais que oscilaram entre características de bom comportamento (porque se viram!!) e de mansidão extrema, o que acabou por condicionar o espectáculo. No entanto, até os mansos têm lide, e foi provado nessa noite, que há quem os saiba lidar.
 

 
Rui Fernandes inaugurou a praça com uma actuação que resultou discreta. O toiro, castanho com 514 kg, de córnea alta e aberta, saiu bem à brega do toureiro. Deixou dois compridos em que o toiro se arrancou com alguma raça, correspondendo na perseguição com alguma codícia mas tinha pouca força e acabou por vir a menos com o decorrer da lide. Fernandes andou disposto mas nem sempre foi feliz na colocação da ferragem, por vezes pouco cingida, consentindo algumas passagens em falso pelo facto de abrir demasiado o quarteio. Escutou a música nos dois últimos curtos que cravou com o toiro já esgotado. No quarto da noite, um manso com 504 kg, Fernandes apareceu com um toureio mais alegre e de adorno, entre ladeios e piruetas na cara do toiro, que se deixou no entanto sem grande transmissão ao toureio de Fernandes, que mais uma vez pecou pelo facto das reuniões resultarem maioritariamente à garupa. Se no primeiro do seu lote escutou música tarde, aqui ouviu-a logo após o primeiro curto, que citando de largo cravou após ligeira batida. Voltou a insistir no cite com distâncias, partindo de tábuas, e indo até onde estava o toiro, nas tábuas, para de igual modo deixar o segundo que rematou com piruetas na cara da rês imóvel. Foi também nas tábuas, agora a menos distância e com o toiro na querença, que Fernandes insistiu para deixar o terceiro, demorando-se muito, pois obviamente, e estando o toiro à defesa, não se arrancou, e resultou o ferro aliviado. Aproveitou do 'balancé' do Único, para pôr algum sal nos dois ferros com que rematou actuação.
 

 
Diego Ventura era o mais aguardado da noite. Mas andou longe, muito longe da sua performance de rejoneador, o que provavelmente desagradou à grande maioria dos presentes! E digo provavelmente, porque muitos dos que estavam naquela praça foram lá para ver cavalos, queriam números e não deram atenção ao toureio de Ventura! É que uma coisa é vê-lo perante animais de 'fácil' trato, onde se exibe maioritariamente nas condições equestres e nos adornos do rejoneio. Mas quando toca um toiro que de fácil tinha pouco, aí há que enaltecer o toureiro! O oponente com 544 kg, o mais rematado do curro, saíu à arena a pedir algumas continhas a Ventura, apertando-o uma vez nas tábuas, dando-lhe um toque após o primeiro comprido, e pensou-se que era agora que o luso-espanhol perdia os papéis. Mas antes de recolher à cavalariça para mudar de montada, viu-se que Ventura o 'estudou', e depois, pese embora no que o toiro se tornou, um manso perdido, Ventura teve nota alta no exame. A cábula do rejoneador foi o Nazari! É verdade, Ventura ainda tentou exibir-se com o abc do rejoneio, com ladeios – que despoletaram logo ovação para se ouvir do outro lado do Tejo – mas para pena dos seguidores deste tipo de toureio, o Ventura constatou que não tinha matéria para isso, com o toiro a não se fixar, desinteressando-se, fechando-se muito em tábuas. Aproveitou-se então do coração do Nazari, que de forma quase provocadora, como se fosse um autêntico capote, se dobrou todo na cara do oponente para o sacar das querenças e assim Ventura deixar a ferragem da ordem de forma cingida. Houve ainda tempo para um 'complemento', em que Ventura efectuou recortes toureiros fazendo uso do blusão de um aficionado que o saudou (provavelmente um dos poucos em praça que reconheceu o valor e o labor de Ventura). No final, e embora autorizado a dar volta, e depois de uma eternidade na recolha do toiro, perdeu Ventura o espírito para dar a merecida volta e o público, mais entretido na renovação do copo da cerveja ou na 'selfie' com a arena de fundo, a mais não o obrigou. Ao quinto da noite, com 480 kg, mais um toiro com bons princípios e maus fins...que se arrancava recto nos compridos mas nos curtos se rachou, o rejoneador não se chegou a entregar, desfez algumas vezes as sortes, principalmente quando de facto o toiro sim se arrancava. E quando cumpriu com a ferragem a mesma desta vez não resultou tão cingida. Não deu volta.
 
 

 
João Moura Jr. foi protagonista das duas actuações mais regulares da noite. Frente ao seu primeiro, com 475 kg, consentiu algumas passagens perante um toiro que se distraía mas que não impôs qualquer problema, tendo o animal alguma nobreza mas de pouca transmissão. Moura Jr. citou de largo, efectuou as batidas geralmente ainda a boa distância do toiro antes de com ele se cruzar, e quando passado o perigo, deixava a ferragem, com a reunião nem sempre a resultar ajustada. O toiro veio a menos, já sem perseguir, mas Moura Jr. continuou a insistir nos quiebros que fizeram as delícias das bancadas. Nota menos para a imagem menos feliz, das montadas apetrechadas de arames... No que fechou noite, animal justinho, justinho de apresentação, com 476 kg, mas que teve alguma nobreza, Moura Jr. assinou a credencial de triunfador da noite pelos três ferros de impacto com que rematou a lide, mas antes disso, houve outros cinco que também têm história. Iniciou função nos curtos, e por duas vezes tentou deixar o primeiro mas com a insistência das batidas (de tão agrado de quem se senta nas cadeirinhas vermelhas), por duas vezes passou em falso de tanto que o toiro saíu da sorte. Repetiu a proeza dos quiebros, partindo de largo e cravou cinco curtos, uns mais aliviados que outros. Ao sexto ferro, reuniu com o toiro lado a lado, cravou de alto a baixo e aí levantou o público do Campo Pequeno. Deixou mais dois, bastante aplaudidos e saíu da arena lisboeta em apoteose. Convém no entanto referir que as poucas vezes que este toiro mudou de terrenos, foi por intermédio do peão de brega. Moura Jr. limitou-se a partir ao toiro, fazer a batida e deixar a ferragem, descurando que tourear, também é lidar.
 

 
Nas pegas a noite foi cumpridora para o Grupo dos Amadores de Lisboa, que viram as suas pegas ser consumadas por intermédio de Pedro Gil que efectivou bem à primeira, com o animal a levar a cara alta na viagem até o grupo ajudar de forma eficiente; Duarte Mira também à primeira a reunir bem, e sem problemas; e Manuel Jorge Guerreiro bem à segunda a reunir, depois de numa primeira tentativa ter reunido correctamente, com o toiro a arrancar-se alegre ao cite mas a descompor-se a pega, já mesmo depois dos restantes elementos chegarem ao toiro.
 

 
Pelos Amadores de Alcochete, saíu primeiro a batata quente ao cabo, Vasco Pinto, o manso perdido que nunca se arrancou ao cite do forcado, optando-se pela pega de cernelha, que mesmo assim de viu difícil, com o toiro sem sair dos terrenos nem encabrestar, consumando assim ao segundo intento, depois de uma violenta investida à primeira, na dupla constituída por Vasco Pinto e Pedro Belmonte. Ruben Duarte pegou à primeira, aguentando os derrotes do toiro; e a mais rija da noite foi para Vasco Santana que aguentou a velocidade do toiro estando bem depois o grupo a consumar.
 
E numa noite de Festa, onde não se bailou tudo o que se queria, referir que o público oscilou entre momentos de exigência, estando principalmente atentos a qualquer deslize de Ventura, sendo mais benevolentes com os restantes, e momentos de um público cada vez mais 'indomado', onde a Festa dos Toiros já quase parece um jogo de futebol e se grita sem noção... De qualquer forma, houve desilusão para quem ía na esperança de ver 'cavalos', porque para isso não houve toiros, e quando houve toureio, não quiseram ver! Portanto, quem comigo partilhar opinião, tenho a dizer que ou estamos sós ou então socorro... (S.O.S.)