A propósito do Editorial do jornal Olé desta semana...
Escreve-nos o nosso assíduo leitor Gabriel Castro Lobo:
Caro Francisco Morgado, li com interesse o seu Editorial, com o qual concordo na generalidade. Há porém dois pontos com que não concordo de todo.
O primeiro ponto, quando se refere ao que se passa entre nós e “ para não ferir sensibilidades” se refere a toureiros falecidos e o segundo ponto quando refere que “estão ai meia dúzia de cavaleiros novos”, para assumir essa galvanização do público aficionado.
Nestes dois pontos não concordo de todo e explico porquê:
1- “Para não ferir sensibilidades” – Acho estranho, que num Mundo que se diz de homens de barba rija, exista um receio de “ferir sensibilidades”, como se as pessoas em causa fossem florzinhas de estufa, frágeis Damas da Corte do Reino de Portugal. Sei que é vulgar esse constrangimento, sei que há sensibilidades muito sensíveis (perdoe-me a redundância) mas essa é uma daquelas coisas que também tem de ser mudada. A sensibilidade em tauromaquia só é admissível no que diz respeito ao que se passa dentro da arena, o bom, o mau, o belo e o vulgar. Modos de estar do tipo “não me toques”, não têm cabimento neste ambiente que tem de ser duro e de verdade.
2- “Estão aí meia dúzia de cavaleiros novos” – Só meia dúzia? Onde começa e acaba essa lista? Quem está excluído? Como a minha lista não acaba nos nascidos no ano de 1983, agora com 27 anos, nem nos toureiros que têm pais ganadeiros, diria que há muitos mais. Para mim, que tenho 62 anos, novos são todos, todos têm lugar nesta mudança que muito bem propõe. Todos mas competindo todos no mesmo grau de igualdade. Concordo com as parelhas, fazem falta. O António ou Salgueiro competindo com o Vítor, com o Fernandes ou o Moura Caetano. O João Moura competindo com o António, com o Salgueiro, com o Rouxinol, com o Vítor ou com o Fernandes, com ganadarias sérias, sem imposições dos mais velhos sobre os mais velhos, com transparência, sem servilismos por parte de empresários.
E que venham os rejoneadores espanhóis, que venham competir, mas que não imponham “borregos”, eles que venham lidar Graves, Pégoras, Coimbras e que venham de “peito aberto” sem imposições e se forem capazes de derrotar os nossos cavaleiros, cá estaremos para os aplaudir. Mas não nos queiram impingir “gato por lebre”.
De qualquer modo, quero dar-lhe os parabéns pelo invulgar desassombro de ter posto o dedo na ferida, só que a chaga é tão grande que lhe juntei o meu na tentativa de estancar a hemorragia.
Gabriel de Castro Lobo
Com a devida vénia, transcrevemos o editorial de Francisco Morgado:
EMOÇÃO E COMPETIÇÃO
Estas são as duas palavras-chave que abrem as portas onde estão as corridas boas.
Com efeito, o que os espectadores aficionados procuraram sempre nas praças de toiros resume-se a isto. Emocionar-se, é sentir subir a ansiedade perante o perigo iminente, é ter a expectativa de poder ser testemunha de algo que mais tarde possa contar, é confirmar para si próprio que o trabalho do toureiro é realmente algo que está acima das faculdades do ser comum.
A emoção só pode surgir na praça, quando se está na presença de um toiro que impõe respeito e apresenta perigo nas suas investidas. É importante saber que o toiro durante toda a sua existência no campo nunca sentiu necessidade de atacar para manter a sua sobrevivência, como acontece por exemplo com os animais carnívoros que caçam e matam para comer. O toiro apenas ataca para se defender e é isso que também faz na praça. E quanto maior for o seu instinto de autodefesa melhor será a sua condição de investida, sacando aquilo que se costuma denominar por casta. Os toiros que se param, que se encostam às tábuas, que recusam a luta, são cobardes e renunciam de pronto.
Os toiros mudam de comportamento consoante o decorrer da lide e melhor investem se os toureiros os forem afiançando, isto é, mostrando-lhe que existe alguma possibilidade de o toiro armar a cornada e colher.
Por isso é tão importante que o Toureiro lhe pise os terrenos, entre no seu alcance, lhe dê possibilidades e vantagens para que arremeta no sentido de cornear e derrotar, conforme é seu instinto.
Quando todos estes factores se conjugam estamos perante um toiro bravo, que dá emoção, que faz secar as gargantas, que faz subir a adrenalina, que deixa rasto e contentamento. Estamos num dos zénites que faz a essência da corrida.
A outra componente vem com a competição na arena entre toureiros. A história mundial da tauromaquia está cheia de exemplos que apaixonaram multidões e despertaram sentimentos partidários, quase à escala nacional. Entre nós e para só citar os já desaparecidos e não ferir sensibilidades, Simão da Veiga e João Núncio, Diamantino Vizeu e Manuel dos Santos, foram dois casos sintomáticos. Na arena eram quatro leões à procura da oportunidade para dar um repasse ao companheiro e alegrar os seus seguidores, que assim tinham matéria semanal para "chagar” o amigo que militava nas hostes contrárias.
A festa alimenta-se destas rivalidades sãs, mas não são estas as que hoje infelizmente, se verificam no nosso meio taurino.
Portugal precisa com urgência de encontrar parelhas que levem paixão às bancadas, que arregimentem partidários, que façam falar aficionados, que criem rivalidade séria na arena, numa palavra, que lutem para ser os melhores.
Estão ai meia dúzia de cavaleiros novos capazes de protagonizar este cenário.
Porém, não precisam de andar por aí a dizer que são todos amigos uns dos outros e que até treinam juntes se for preciso. Nada mais errado. Cada um deve afirmar que é melhor que o outro e que o vai provar na próxima corrida
Lembram-se do Zoio, do Veiga, do Caetano, do Batista e até do Domecq, em corridas de alta competição e com o público em delírio?
É isso que está a fazer falta agora. Os empresários têm aqui oportunidades que não devem perder
Mas atenção! Os pais dos meninos não podem andar no campo a escolher touros, a proporcionar comodidades e a impor determinadas ganadarias que são movidas com motor de dois tempos.
Venha lá o toiro sério, sem trampas nem embustes e cada um que mostre na arena, aquilo de que é capaz. E quando algum perder, que fique à espera da próxima para se desforrar.
O segredo está aqui. Emoção e competição.