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    GRANDE ENTREVISTA AO CORNETIM JOSÉ HENRIQUES

    Perfil - JOSÉ HENRIQUES
    por Elisabete Pato
    in Diário de Notícias


    Na corneta dos touros

    Não há cavaleiro, forcado ou touro que entre na arena da Praça de Touros do Campo Pequeno, em Lisboa, sem antes ouvir o toque rasgado do cornetim tauromáquico José Henriques. É assim desde a primeira quinta-feira de Junho de 1971, há quase quarenta anos. É do Campo Pequeno que o conhecemos, mas já antes tocava em corridas de touros, a primeira foi na praça de Cascais, que já não existe, há 45 anos. Em 1971 passou por provas públicas para ser o cornetim tauromáquico do Campo Pequeno. «Éramos cinco concorrentes. Levaram-nos para os curros e pediram-nos para executar os toques de corrida durante 15 minutos.» Tinha 23 anos. Não há contratos, há um acordo. Desde essa altura passaram pela praça lisboeta sete empresas. «Aqui vou ficando

    Os nervos ainda são muitos. «A Praça de Touros do Campo Pequeno está para os touros como o Teatro Nacional de São Carlos está para a ópera. Tem tanto de belo como de assustador.» Foi inaugurada em 18 de Agosto de 1892 e renovada em 2006.

    O que mais gosta é de ver uma praça cheia, mas é também isso que o deixa nervoso. «Há um silêncio absoluto especialmente em dois toques: o da saída do touro e o da pega. O público e os artistas estão dependentes do toque para que siga o espectáculo e fico um bocadinho com medo. E esse medo agrava-se quando a corrida é transmitida pela televisão.» Não tem superstições, apenas «uma pequena coisa que nunca disse a ninguém, nem à minha mulher. Depois de retirar o instrumento, durante uma corrida de touros a caixa do cornetim fica colocada sempre na mesma posição, ao meu lado, com a sua marca para o lado de fora, nunca para o lado de dentro».
    O espectáculo não começa sem ele, mas não é uma estrela. Não tem camarim, vem pronto de casa para actuar: fato e gravata, barba feita. Calça as luvas brancas antes do primeiro toque. Trá-las junto ao cornetim dentro da caixa do instrumento. «As luvas são uma tradição que eu sigo

    José António Alves Henriques é casado, tem dois filhos e três netos. Nasceu em Lisboa e, desde que se reformou, voltou às origens dos pais e vive na Malveira, concelho de Mafra. Começou na música, aos 14 anos, por total influência do pai, que também era cornetim tauromáquico, mas nunca na Praça de Touros do Campo Pequeno. O seu primeiro instrumento foi trompa, dois anos depois passou para trompete. Tocou em cinco bandas filarmónicas, nas marchas populares de Lisboa, mas a festa brava estava-lhe no sangue e depressa se dedicou inteiramente às touradas. «O meu sonho era ser toureiro e perdi essa ilusão quando levei uma tareia de um novilho. Mas como gostava muito dos touros pedi ao meu pai para me ensinar as sequências dos toques da lide

    Com 17 anos começou a substituir o pai nas praças e assim foi durante seis anos, enquanto estudava. O ano de 1971 marcou a vida deste profissional do cornetim. Além de entrar para o Campo Pequeno, casou, tirou a carta de condução, terminou o serviço militar na Marinha e conseguiu um emprego de profissional de seguros, que conciliava com a actividade de cornetim tauromáquico. «A família é a mais prejudicada. Não me considero um sacrificado porque faço isto por paixão.» Aos fins-de-semana, à noite e em altura de férias José Henriques está a trabalhar. Este ano bate o seu record de actuações.

    Normalmente, toca em noventa corridas, em 2010 já lá vão 102. Além de Lisboa, os toques de lide deste músico podem ser ouvidos em praças como as de Vila Franca de Xira, Alcochete, Montijo, Moita, Évora, Santarém, Arruda dos Vinhos. Diz ter um estilo próprio de tocar o cornetim.

    A corrida mista (cavaleiros, forcados e matadores ou novilheiros) é a que mais lhe agrada. O triunfo do toureiro é o que mais faz vibrar José Henriques. Mas «quem manda no espectáculo é o touro. É o touro que determina quem vai triunfar. E por vezes, quem mais triunfa são os menos famosos». A pega «é emocionante».

    Só precisa de estar na praça 15 minutos antes do início da corrida, mas impôs uma regra a si próprio: «Faço questão de chegar uma hora antes do espectáculo, em qualquer localidade. Pode acontecer algum percalço durante a viagem. Durante essa hora fico junto à porta a ver o ambiente
    No fim da noite, mima o instrumento. Limpa-o com um óleo próprio, «caro», lubrifica os pistons e as bombas. Tem um fliscorne, dois cornetins, dois trompetes e um chamado de trompete de bolso. Há quatro anos que usa sempre o mesmo cornetim.

    E não se pense que os cuidados são apenas com o instrumento. Dois dias antes de uma corrida de touros, José Henriques não come azeitonas porque tira a embocadura (calo nos lábios devido à pressão do bocal de ferro do instrumento). O calo amolece com o óleo das azeitonas e também não come doces, nos mesmos dois dias. «Pode ser psicológico, mas cumpro.» E não é para menos, cada corrida exige 32 toques, cinco dos quais são iguais. O toque à espanhola é mais elaborado. À portuguesa é mais rápido. E é preciso saber quando tocar, mesmo que as ordens sejam do director de corrida. «No toque para a pega, o touro tem de estar posicionado do meio da praça para o lado contrário de onde estão os forcados, para que estes saltem e o animal não os veja.» Já os cavaleiros e os matadores fazem-lhe sinal quando estão preparados. «Por vezes, há um ritual de reza que não se interrompe

    Cada actuação é um ensaio para o espectáculo seguinte. Fora da época tauromáquica, José Henriques ensaia na casa de banho. «Tem melhor acústica e não incomoda as outras pessoas.»

    São várias as alegrias e as tristezas que o marcaram ao longo de 45 anos de carreira de cornetim tauromáquico. Por exemplo, recorda, pelos espectáculos no Campo Pequeno e pelas figuras emblemáticas, os bons momentos dos cinquenta anos de alternativa do mestre João Branco Núncio, em 1973 e a despedida de Diamantino Viseu, em 1972.

    Mas também viu, na mesma praça, ser colhido mortalmente o cavaleiro José Varela Crujo, em 1983, e na Praça de Touros de Arruda dos Vinhos assistiu à morte de um forcado de Vila Franca de Xira quando este saltou e morreu nos cornos do touro contra as tábuas. «A última coisa que ele ouviu foi o meu toque
    Na sua especialidade, foi em 1972 o único português a actuar fora do país. José Henriques actuou na Praça de Touros Monumental de Barcelona, numa corrida de gala à portuguesa.
    Quanto a descendentes, um neto é o único elemento da família que está numa banda filarmónica a aprender solfejo e «dá umas notas no trompete. Daí a vir para os touros …não sei».

    José Henriques tocará em corridas até poder porque não conseguirá assistir ao espectáculo de outra forma. Entristece, perde o entusiasmo e diz: «Quando deixar de ser cornetim tauromáquico, que seja por morte.» É vê-lo e ouvi-lo, todos os anos, nas mais variadas praças de touros do país.

    O cornetim tauromáquico e o director de corrida

    O director de corrida é quem manda no espectáculo tauromáquico. É o representante do Estado através do IGAC, Inspecção-Geral das Actividades Culturais. Em Portugal, são 18 e rodam pelas mais diversas praças de touros do país. São profissionais da tourada na reforma: bandarilheiros, na sua maioria, matadores e forcados. O director de corrida é também conhecido como «o inteligente». Diz a história secular que os «inteligentes» eram os toureiros fora de actividade mais evoluídos, numa sociedade analfabeta. Mas o nome técnico é director de corrida.

    Durante uma tourada, é constante a relação entre o músico e a autoridade máxima. Por isso, estão lado a lado. O cornetim tauromáquico transmite todas as ordens que o director de corrida entende que deve dar para seguir o espectáculo. José Henriques sabe de cor a altura certa dos toques de lide.

    José Henriques e os defensores antitouradas

    José Henriques considera que os portugueses estão mais aficionados à festa brava. Há mais corridas e as praças estão cheias. Respeita a ideia dos portugueses que são contra as touradas, mas critica-os. «Eu não gosto de caracóis, não como, mas não vou proibir ninguém de os comer. Não estou de acordo que sejam radicais e que queiram impor a ideia deles aos outros.» E acusa-os de mentirem. «Uma pessoa que não conhece por dentro a vida do touro, não se deve pronunciar sobre ela. Todos os cartazes que expõem nada têm que ver com as corridas de touros em Portugal. Apresentam fotografias de touros a esvair sangue pela boca, com varas de picadores que cá não há. Pontilhos de bandarilheiros que cá não há. Portanto, fazem uma propaganda enganosa. Todos os cartazes que apresentam são de corridas à espanhola e não à portuguesa.»
    Nenhum touro morre por ser toureado. Os touros são abatidos em matadouros «como qualquer outro animal inofensivo para consumo, porcos, ovelhas, galinhas». Alguns voltam para o campo.

    Desde que nasce até ser lidado na praça, o touro vive em liberdade, em vários hectares de terreno. Um touro atinge a idade adulta aos 4 anos. «É lidado apenas durante 15 minutos. Para o touro não é um sacrifício. Geneticamente é criado para a lide, dá expansão à sua bravura, à luta. Se por acaso as corridas acabassem, os touros extinguiam-se. Poderia haver um ou dois no Jardim Zoológico. A corrida é a razão da existência do touro