Recordando um Artigo de Opinião
O 4º ELEMENTO
A Imprensa Taurina tem um papel fundamental na formação de opinião e no apurar do gosto do público, relativamente à festa de toiros em geral, e ao desempenho dos seus protagonistas em particular.
O binómio toiro-toureiro constitui a relação essencial da festa. O toiro de lide, o primeiro termo do binómio, distingue-se dos restantes bovinos pela mistura de atributos, físicos e temperamentais, que se sintetizam no que se convencionou chamar bravura, atributos esses, concretamente o equilíbrio entre a casta e a nobreza, que lhe conferem o estatuto de bravo. Com uma bravura cada vez mais resultado de uma manipulação genética orientada pelo Homem, o toiro de lide é a matéria-prima de que o segundo termo do binómio, o toureiro, se serve para, em praça, ser um verdadeiro criador de arte. Com maior ou menor mérito, dependendo das suas próprias capacidades e faculdades, só o facto de enfrentar a força da natureza que é o toiro de lide, já faz do toureiro um herói.
Mas se toiro e toureiro se complementam na arena, o espectáculo sociocultural que são as corridas de toiros só se completa com a presença de público, o terceiro elemento, e que vem ampliar a dimensão daquilo que se passa na arena. O toiro condiciona a actuação do toureiro que terá de lhe dar a lide adequada aos seus atributos físicos e temperamentais. O toureiro, pelo seu desempenho em praça, condiciona a reacção do público, que se manifesta no aplauso, no silêncio ou no protesto.
Contudo, não é apenas através da análise directa das corridas de toiros que o público entende a Festa pois, para tal entendimento, também contribuem a consulta de livros e outra documentação, conversas entre aficionados e, claro, a informação especializada, a Informação Taurina, um verdadeiro quarto elemento senão mesmo um quarto poder. Quarto poder que, hoje em dia, por via da facilidade com que qualquer neófito se intitula "Periodista Taurino" gerou uma legião interminável de críticos e pseudo-críticos em cujas fileiras a qualidade perdeu a favor da quantidade e cuja "doutrina" induz sistematicamente o público no erro.
Existem dois termos referentes à imprensa taurina que, apesar de distintos, muitas vezes são confundidos pelo comum aficionado e, inclusive, pelo próprio condutor da informação, e que são a Crítica e a Crónica Taurina.
A palavra Crónica deriva do grego “cronos”, que significa tempo. A Crónica tem uma estrutura tradicional em que a narração da corrida nos é apresentada toiro a toiro. É um género informativo com a característica de contar a verdade, apesar de, em termos absolutos, não existir o conceito de verdade, mas apenas interpretações da realidade. No entanto, a interpretação da realidade de uma “corrida de toiros” não está ao alcance de qualquer um. Interpretar é, ou pelo menos deveria ser, confiar em normas estipuladas, uma operação intelectual, e tendo em conta que o cenário de um relato taurino está impregnado de sentimento e não de racionalidade, torna-se difícil a concretização de uma interpretação realista de uma corrida de toiros e, portanto, deparamo-nos quase sempre com textos subjectivos, de visões partidárias e pouco imparciais.
A Crítica é a expressão de um juízo de algo e, para isso, é necessário comparar com uma norma, ou seja, aplicar um critério. A Crítica Taurina tem como função avaliar o desenvolvimento das corridas de toiros segundo princípios e valores estéticos, colocando os Críticos Taurinos num patamar de alta responsabilidade: educadores do gosto e da sensibilidade, o que lhes confere duplo papel, o de contar a realidade e o de exercer um papel crítico. No exercício da crítica devem observar-se três operações mentais: Primeiro, a investigação histórica, ou seja, inserir os factos num contexto histórico, sendo que muitas vezes se usam exemplos históricos errados; Segundo, ligar os efeitos às causas, a verdadeira investigação crítica, pois tudo o que tem de ser justificado, ou explicado, só assim se pode determinar; E, em terceiro lugar, o testar dos meios empregados, onde se inclui louvor e censura, devendo o crítico procurar colocar-se o mais próximo possível do ponto de vista de quem agiu, tendo em conta os motivos que o levaram a intervir de determinada forma e pondo de lado o resultado final da acção. Se um crítico aponta um defeito a um toureiro, isso não significa que o próprio crítico, no seu lugar, não cometeria o mesmo erro. A diferença é que o crítico vê o erro a partir de uma cadeia de acontecimentos e crê que isso não deveria ter escapado à perspicácia do toureiro. Logo, a maioria dos críticos formam opiniões através de uma conexão de acontecimentos. Descodificados os conceitos, cabe a quem escreve optar pela Crónica ou pela Crítica.
Actualmente, a facilidade intelectual com que alguém se pode iniciar na escrita taurina conduz a uma escassez na qualidade dos trabalhos. É certo que alguns críticos e cronistas sabem desenvolver teoria, exibicionismo certo de grandes leituras e saber, mas a alguns faltar-lhes-á também a prática de campo e de corridas. No entanto, a maioria encontra-se no lado oposto: Vão a todas as corridas, mas fundamento têm pouco, sendo a verdade que se alega nos seus registos de corridas quase sempre nula e a interpretação condicionada pelo pouco conhecimento, gosto pessoal, ou até amizade ao interveniente. Muitas vezes, este é o pecado maior da imprensa taurina, a informação tendenciosa, que concede triunfos fáceis e erróneos aos artistas que, convencidos das palavras caridosas dos jornalistas taurinos, se iludem e persistem no mau toureio. Do mesmo modo, o público deixa-se inebriar pela inexacta informação, diminuído de conhecimentos correctos e isento na exigência que impõe aos toureiros. Um verdadeiro ciclo vicioso que remete para uma Festa débil, manipulada, limitada e pouco rigorosa.
Este 4º Elemento, ou 4º Poder, é assim um elo de ligação entre artistas e público. Da sua percepção do que se passa na arena, da sua capacidade de (im)parcialidade, depende tudo o resto, inclusive o Futuro da Festa..
PATRICIA SARDINHA