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    Crónica de Vila Franca - 'Estado de (des)graça'



    Nem melhor, nem pior. Diferente. 

    Dito de senso comum reconhecido por todos aqueles que nutrem carinho por Vila Franca, pela sua festa, as suas gentes e a ilustre Palha Blanco. 

    Mas invertendo sentidos, e porque normalmente este popular dito pretende interligar a magia do sítio à grandeza da festa, a virtude nem sempre está na diferença. 
     Vila Franca viu hoje a sua praça com uma conotação pobre e dissemelhante à da sua história. Porque Vila Franca é exigente, dura, séria e tanto mais mas hoje… Acordaram tarde ou afinal também são meninos que comem e enlouquecem com o toureio fácil e barato? Poucos apuparam as decisões finais, que não sei se foram pelo estado de (des)graça, pelo tinto que havia regado a malta ou pelo calor assim meio parvo que aqueceu a tarde.

    A cidade respira toiros no Colete Encarnado. Cada canto é um espaço, cada espaço uma tertúlia e cada tertúlia é um mundo. Histórias, momentos, vidas… Aqui pode aplicar-se o real sentido do dito: nem melhor, nem pior. Diferente. 

    Montou a empresa um cartel que à priori seria garantia de um bom fluxo de espectadores, e nesse campo a aposta foi ganha. Praça praticamente cheia, com poucos lugares por preencher, sendo fatigante a duração do espetáculo. 
    Lidaram-se seis toiros que baixaram o trapio do costume na Palha Blanco. Os dois de Telles, rematados e com peso, não tinham cara e logo, pouca seriedade. O primeiro não foi nenhum crío, era manso e sonso, contendo-se sempre que podia; o segundo foi voluntarioso, saía com facilidade de qualquer lado, tranqueava e faltou-lhe raça; 

    Se houvesse seriedade e se tudo fosse encarado com rigor e brio, a ganadaria Falé Filipe teria de aguardar uns tempos em casa para aspirar alcançar de novo palcos importantes. Quatro mansos. Quatro toiros com distintos graus e fases ora mais intensificadas ora menos, de cobardia, falta de toureabilidade… em suma, fundo e bravura. Fofos (fofinhos!) como de costume, nenhum foi assobiado de saída ou na sua recolha… Vila Franca é (…), diferente. 

    Antes de abrir função o cavaleiro João Ribeiro Telles, o Maestro Victor Mendes foi homenageado na arena e tributado por uma das mais sonoras e emocionantes ovações da tarde.
    O primeiro toiro da corrida tinha o ferro de Ribeiro Telles, 560Kg, negro zaíno, manso, com algum falso génio de início (adiantando-se muito com sonsería no segundo comprido) e sem querer colaborar. Os compridos não deram para mais do que para a prova, e nos curtos pode reter-se a intenção na brega, sem sequência na ferragem que não resultou contundente e pouco meritória, excetuando o quarto curto, o que nitidamente sobressaiu da banalidade anterior. 
    O quarto tinha condições para se triunfar, mas ficou tudo entre um sabor meio agridoce, meio sem sabor. O toiro pedia sítio ao toureiro, que andou correto na sua interpretação e acertado na seleção de terrenos, mas a ferragem voltou a pecar por consistência. O último foi o melhor, e comparativamente com os anteriores, o mais puro e de mais solta interpretação, indo reto e de frente e fazendo parecer fácil o que é difícil, e que tem o dobro da importância e sabor.

    Juan José Padilla levará Vila Franca guardada na pança da sua muleta, já que no pico levou os dois Falé Filipe que lhe bafejaram o azar.
    O de Falé, castanho escuro listão, saiu com a cara alta a rematar nos burladeros. Informal de início, Padilla recebeu com duas largas afaroladas, mas o toiro pouco se deixou ver com o capote. António João Ferreira saiu ao quite e luziu-se por chicuelinas, ajustadas e revelando as carências de força do animal. Reservou-se em bandarilhas e o tercio não resultou. O toiro pedia muleta na cara, sempre adiantada se necessário, ligação e traze-lo de forma líneal, dar-lhe espaço e vantagem para poder ganhar fôlego e força, para tentar dar-lhe o recorrido que não tinha. Mas isso não foi possível, e Padilla andou desacoplado, não podendo explanar a sua tauromaquia e pegou passes enquanto o morlaco assim cedeu. 
    A segunda parte começou com mais vento, e talvez tenha sido isso factor para a faena de Padilla atingir cotações tão elevadas. O de Falé era incerto, protestava tudo por baixo e só com a cara a meia altura podia entregar o pouco que tinha. Circulares, passes de peito, desplantes, de joelho em terra… praça em pé. Mas de Padilla e do seu furacão só ficou um bom par, cravado em terceiro lugar, num tércio onde o toiro cumpriu com alegria. Deu uma volta aplaudida e antes de recolher à teia quase implorou ao Director a segunda volta… Passeou triunfalmente com uma bandeira portuguesa, e não ouvi um piu. No final revoltaram-se… estado de quê mesmo?!

    António João Ferreira teve que tragar como um valente para sacar faena a dois ordinários que nada concederam… e assim é difícil, injusto e arrebatador para quem volta para casa depois de jogar a vida e os contractos continuam por aparecer. Mas Tojó dá a cara, pode e está seguro, e Vila Franca acarinha-o como a poucos. 
    O terceiro da tarde tinha o ferro de Falé Filipe, 485Kg, e se o reflexo do sol não me engana, creio estar algo entre o castanho e o retinto. Abria um pouco a cara, era pronto mas brusco, rebrincado e complicado. Foi toiro para profissional, e o Tojó batalhou com ele. Tinha de perder passos e não cruzar-se muito, o toiro enroscado à cintura sentia-se preso e saía dos voos sempre a desplazar a investida, sem dar ligação e sequência ao muletazo. Recebeu-o de joelho em terra, na porta dos sustos, concretizando a sorte com mérito mas sem muita erupção no tendido. 
    A mão tinha de ser baixa, com firmeza para aguentar a brusquidão, e com largura para fazê-lo crer que podia colher e acometer nos trastos. Houve muletazos com boa estrutura pela direita, ainda que com pouca limpeza, mas pela esquerda logrou cuajar três naturais cingidos e de mão baixa, largos e com profundidade. O público esteve sempre com ele. 

    Com o último da tarde pintou os momentos da corrida. Ele e o seu irmão. O toiro, com 510Kg, colocava as mãos por diante nos voos do capote, e não se pode gostar muito por verónicas, mas a media… foi arrebatadora, toureira e escandalosamente lenta. Saiu ao quite por chicuelinas, deixando-o vir com pata e passando perto da sua figura, até que sofreu forte voltareta da qual rapidamente recuperou. João Ferreira deu lição com as bandarilhas. Por duas vezes se assomou ao balcão e deixou dois pares soberbos, em desenho e execução. Saudou e foi ovacionado por uma praça entregue. A faena foi menos consistente que a primeira, Tojó fez transparecer menos recursos e pouca história se deu. As investidas, perdão, os cabezazos, eram praticamente um a um, sem ritmo e sem selo, como um bronco perdido. Valor do jovem matador que intentou mudar o desfecho, mas sem matéria para luzimento será sempre impossível.

    Dois jovens pegaram pelos Amadores de Vila Franca, numa corrida especial e importante para o grupo da terra. 
    Vasco Pereira esteve muito bem com o primeiro da tarde, que chegou a incomodar um pouco na viagem mas o forcados foi valoroso e aguentou-se bem; 
    Francisco Faria pegou o quarto à terceira, um toiro que chegou de boca fechada à pega e ainda mantinha boa condição. O jovem forcado esteve digno, e no terceiro intento conseguiu consumar com a preciosa ajuda do seu grupo.

    A corrida foi dirigida pelo Sr. Manuel Gama, com uma prestação intermitente e com dificuldade para gerir os ânimos finais.

    No fim, Padilla a ombros, obrigando António João Ferreira a acompanhá-lo pela porta do triunfo… No final que podemos diz? Estado de graça ou (des)graça?

    Pedro Guerreiro