Header Ads

Feito com Visme

  • Últimas

    Crónica do Concurso de Évora - 'Em quantos conceitos cabe o bravo?'


    A Arena D' Évora e o afamado mais importante e de maior prestígio Concurso de Ganadarias nacional não encontraram resistência à mudança da tradicional data, e uma boa moldura humana, cerca de 3/4, preencheu a praça eborense.

    De lá pra cá várias coisas mudaram... Retrocesso na aposta pela diversidade de encastes; ganadarias num grande momento e na linha da frente; até o concurso deste ano já foi alvo de sorteio (desconheço se por imposição regulamentar), para além de achar absurdo outorgar-se um prémio de apresentação num concurso de ganadarias, e logo este de Évora, pelo qual julgo nem ser necessário invocar as minhas razões. Contudo, neste até houve discrepâncias acentuadas a esse nível, e mesmo que se avalie em prol do animal e da tipologia que lhe antecede, não se marcou de forma arrebatadora a seriedade outrora exibida em Évora. 


    Por imposição do sorteio, abriu praça o Toiro debutante de Calejo Pires. Animal de pelagem ensabanada, oriunda da sua forte descendência osborne (embora o esqueleto fosse disso uma antítese) quase bocinegro, de 602Kg e córnea ligeiramente tocada. Morrillo desenvolvido e remate por todos os lados. Toiro de imponente Romana. Uma estampa.
    Saiu com ímpeto pela porta dos sustos e foi aplaudido em massa pelo público de Évora. Tardou a definir-se de início, revelando vontade em acometer com qualidade no capote, mas sem acabar de convencer. Disperso, foram-se intensificando os sintomas de manso, sem empregar-se, sem fijeza e a requerer atenção em todas as abordagens. Nos cites só a curto saía com maior facilidade, fazendo-o com a cara a meia altura e mantendo essa atitude até ao embroque. Sempre a menos, para a pega sacou nova vida e protagonizou um momento emocionante.
    António Ribeiro Telles passou despercebido, faltando confiança nos compridos para dar alento ao turno seguinte, discreto e sem o costumeiro arrojo, sendo apenas o segundo o de melhor visibilidade.
    João da Câmara, dos Amadores de Montemor, deu o mote para aquilo a que se pode chamar um hino à arte de pegar toiros, e em todo o sentido. Citou de forma clara, sem espaço a brilhantismo, recuou o suficiente e fechou-se implacável, aguentando derrotes altos e que se não fosse a sua atitude e a pronta e profícua entrada do restante grupo, podia haver ali pano para mangas...


    O segundo da tarde acusou na báscula 556Kg, de pelagem negra e pertencente à divisa de Passanha. Toiro com um esqueleto medido, quiçá pouco aparatoso tendo em conta a sua cara, com um pitón esquerdo que se não houvesse embola era de meter medo. Foi, em meu entender, e ainda que longe de poder ser rotulado como bravo, o mais completo e de melhor condição Toiro da tarde.
    Correspondeu de início à imposição do cavaleiro, dobrando-se e a mostrar-se com boa condição. Faltou classe e a cara mais baixa nos voos dos capotes, mas manteve ritmo e tranco sempre que foi abordado na brega, confiando-se paulatinamente e sacando uma ou outra investida com mais raça. A distâncias largas custou-lhe arrancar, mas incentivado de perto e a curt(íssimas) distâncias, correspondia. Faltou-lhe um pelín de transmissão, ainda que o último derrote (quase sempre) resultava com mais som.
    João Moura Júnior potenciou pouco as suas virtudes, e apenas o segundo curto merece ser abordado, dada a reunião emotiva e com transmissão que conjugaram toiro e toureiro, após ter acertado na eleição dos terrenos e na abordagem ao animal. A brega, reluzente e harmónica, apenas peca pelo excesso de duas mãos na rédias. Houve intenção por parte de Moura, mas sem sequência e estabilidade, carecendo o labor de maior ortodoxia. 
    O Passanha revelou nobreza na pega, e quando mandado, saiu recto e sem derrotar, fechando-se sem reparos e com qualidade o forcado Gonçalo Pires, dos Amadores de Évora. A viagem não resultou longa e o grupo entrou com facilidade. 


    De Canas Vigouroux foi o terceiro toiro da tarde. O castanho vindo dos campos de Vila Franca, pesou 528Kg, notando-se alguma falta de remate por trás, de esqueleto pequeno e cara bem posta. Andou informal de início, revelando mau estilo no capote e falta de interesse e fixação. Até se sentir confortável andou algo andarilho, revelando-se com mais génio que casta nos momentos em que pressentia poder alcançar a montada. Manso. 
    Marcos Bastinhas não logrou regularidade na sua prestação, pecando por falta de frontalidade nos cites, e maior ajuste nos embroques, num labor inglório e excessivamente longo. 
    Manuel Ramalho, o segundo a dar mais um passo rumo à tarde redonda dos Amadores de Montemor, viu o Canas partir com rectidão e muita pata, reunindo com impacto e aguentando uma viagem dura até tábuas, com o toiro a empurrar com rins e o grupo a conseguir resolver com eficácia no primeiro encontro. 


    O Toiro de Romão Tenório abriu a segunda metade da corrida.
    Animal comprido, com 610Kg, negro a tender para azabache, com uma cara entre o gacho e o cubeto, e que apesar do peso, estava justo de trapio para a data e praça em questão. Mostrou reservas de início e convidou António Telles a entrar no seu jogo, mais sonso que claro. Não teve qualidade no capote, e várias vezes manteve uma postura de calão, melhorando contudo, com o tratamento que teve por diante. Veio a mais com as motivações do toureiro, mas mantendo o padrão de incerto. Por duas vezes tomou a iniciativa de partir para a sorte, e nos últimos dois ferros encheu a investida de transmissão.
    As abordagens de Telles nos compridos não resultaram, bem como o início da fase de curtos, em que entre passagem em falso e um ferro sem o selo habitual, a lide parecia não transcender e carecer de constância.
    O mais velho intérprete da torrinha, e num gesto que devo sublinhar como de classe, brindou um ferro a Joaquim Bastinhas, presente entre barreiras, e a curtas distâncias do animal, mais centrado e recto era impossível, alegrou-lhe a investida e cravou um ferro de antologia. Pode um ferro de tamanha transmissão e impacto, ser revestido por um aparente e suave temple? Os relógios pararam. Voltou a citar o toiro a uma distância consideravelmente superior à anterior, e num dos momentos em que a condição ainda lhe permitia, o animal não se fez rogado, e no centro de uma sorte plena de verdade, ficou marcado na Arena D' Évora (em pé) que o nosso toureio é o de ontem, hoje e sempre. 
    Ordinário e bronco revelou-se o Tenório na pega. Era notório que saía com tudo, com poder e a força que o esqueleto lhe permitia. Dinis Caeiro (Por Évora) teve papel inglório. A brutalidade dos derrotes fez com que tivesse que ser dobrado por Ricardo Sousa, que só à quinta tentativa (segunda pessoal), conseguiu, juntamente com melhorias nas entradas (essencialmente) dos segundas ajudas, imobilizar o toiro.


    O de Veiga Teixeira saiu em quinto lugar.
    O Toiro da Herdade do Pedrógão pesou 608Kg, de cara bem posta e sem estar excessivamente aberta, de pelo negro mulato listón, alto e sem lhe parecerem exagerados os mais de seiscentos quilos. Dos seis toiros, foi o que mais me preencheu no capote, e com tanto que lhe foi exigido (demais!). Enganchava os voos dos capotes cedo e levava a cara humilhada praticamente até ao fim do capotazo, repetindo-o várias vezes e alcançado gradualmente maior recorrido. 
    De início deambulou trotón pelo ruedo, algo mirón e sem querer revelar nada. Sem selo. Doeu-se em bandarilhas, e faltou-lhe chama e franqueza, com várias matizes de manso, mas que creio com opções para que rompesse de outra forma, mas para isso havia que dar volta à tortilha...
    A Moura Jr. faltou-lhe maior decisão nas abordagens, chispa e determinação para que se desse eco ao que procurava. Buscou sempre melhorar as abordagens que fazia ao toiro, umas mais nítidas que outras, sem descurar os momentos antecedentes e precedentes à ferragem, com intencionalidade e vontade em agradar, mas novamente diminuídos pelo conforto das duas mãos nas rédias.
    Francisco Borges podia bem ter selado com um DOP (Denominação de Origem Protegida), a prestação dos Amadores de Montemor no Concurso de Ganadarias de Évora. 
    Arrisco a dizer que todos os olhos presentes em praça prestaram atenção ao que foi o cite mais elegante e precioso da tarde. Mas Évora nem parecia a praça de sempre, onde se fazia um silêncio sepulcral (principalmente nas pegas), e foi hoje uma praça de pueblo nesse aspecto.
    O Teixeira estava com ele, a uma distância não muita longa da restante composição do grupo, e quando quis, mandou, toureou e fechou-se com uma tenecidade brutal, invulgar, inexplicável. O Toiro empregou-se, derrotou alto e deu brilho à tentativa, apressando-se o grupo a fechar com êxito uma pega, e uma tarde, de mérito.


    O último toiro da tarde pertenceu à divisa de Branco Núncio.
    Com 573Kg, cornillano, de pelo negro, com pescoço e bem conformado, ficou aquém no que respeita os trâmites que deve exigir este concurso.
    Estimulado de largo, e a favor da crença natural, arrancou duas vezes com fijeza (ainda que com alguma boyantía), tendo o senão de adiantar-se consideravelmente nas viagens, cortando caminho e não outorgando facilidade. 
    Doeu-se em bandarilhas e nos médios (visivelmente arenosos e pesados em comparação com o tércio) foi-se esfumando a sua condição, enquanto escarbava e vinha a menos, faltando-lhe fundo para sacar a bravura que lhe outorgaram, mas que, na minha opinião, não ostentou.
    Marcos Bastinhas procurou tourear para ele e para lhe mostrar os recursos, que é como deve abordar-se um toiro num concurso. 
    No primeiro comprido, com o toiro a vir solto de largo, os espaços que foi cortando na viagem foram preponderantes ao ajuste da sorte, com o cavaleiro a corrigir bem e cravando com mérito, algo que voltou a acontecer no segundo comprido.
    Ligeiramente mais centralizado do que no primeiro, as reuniões voltaram a pecar por melhor concretização, com o labor a ir a menos à medida que o comportamento do toiro também descaía. 
    Terminou com um par no corredor, numa fase em que a actuação havia chegado à exaustão.
    Os Amadores de Évora voltaram a bailar com a mais feia, e João Madeira foi autor de três tentativas duras, com o toiro a revelar-se sem classe e com má fé. No terceiro encontro, consumou-se o intento.


    O júri, constituído pelos Ganaderos a concurso, decidiu outorgar o Prémio Apresentação ao Toiro de Calejo Pires (justo e meritório), e o de Bravura ao Toiro de Branco Núncio, totalmente discutível na minha ótica... 

    A corrida foi dirigida por Agostinho Borges, e abrilhantada de forma exímia pela Banda de Alcochete.

    Pedro Guerreiro