Crónica do Campo Pequeno: "Quando não há emoção, falta muita coisa"
Quando há 15 dias se realizou uma
importante corrida na Praça de Toiros do Campo Pequeno, resultou unânime a
opinião relativamente à transmissão e seriedade que esse espectáculo
proporcionou.
Contudo, e porque a variedade
existe, quinze dias depois naquela mesma praça, o ânimo (ou falta dele) foi
outro.
Praça cheia, cartel de figuras, mas
geralmente onde há figuras…acaba por faltar toiro! Ou pelo menos, ‘sal’ no
toiro.
Numa Festa com espaço para todos
os encastes, e todos eles têm as suas qualidades e os seus defeitos, existe
sempre quem se veja ‘limitado’ apenas a um, e isso, limita-nos a nós, aficionados,
e aquilo que pretendemos de uma Corrida de Toiros: Emoção e Verdade.
Independentemente dos gostos, que
respeito, e do que cada um foi naquela noite ao Campo Pequeno ver, eu,
pessoalmente, lamento que muitas vezes me tenho sentido a assistir ao treino de
um qualquer cavaleiro na sua pracinha de tentas, com uma tourinha pela frente e
alguém por trás a empurrá-la. E essa comparação na melhor das hipóteses, porque
outras alturas houve, em que em vez de uma tourinha estaria antes um fardo de
palha, inerte (com todo o respeito pelo toiro de lide, que manso ou bravo, continua a ser o mais belo e respeitável animal do Mundo).
Se isto não acontece com outros
encastes, com outros artistas, noutras corridas?! Acontece, mas com um encaste
e determinados artistas, é por demais repetitiva esta situação.
Mas como quem manda é o pagante,
seja feita a sua vontade…
A 8 de Setembro, saíram à Praça
de Toiros do Campo Pequeno, seis toiros da ganadaria alentejana de Francisco
Romão Tenório. Cumpridores em apresentação, no tipo do encaste murube, e que em
comportamento foram carecidos de transmissão, de mobilidade e raça. Houve-os
alguns nobres, perseguindo a passo, ao gosto do pretendido mas também os houve
reservados, mansos e que por isso, pouca emoção transmitiriam.
João Moura proporcionou (a meu
ver) o melhor e o pior da noite. Frente ao seu primeiro toiro, foi todo um
Senhor toureiro. Uma actuação correcta do princípio ao fim, mantendo ligação
com a rês, animal com 568 kg, nobre e que perseguia a passo. Praticou uma brega
cuidada, com intenções rectas nas abordagens ao toiro, citando de largo para encurtar
distâncias e depois cravar certeiro a ferragem da ordem e como mandam as regras.
Uma boa lide que passou quase indiferente aos olhos de quem nas bancadas anseia
sempre por outros números.
Com o segundo, um toiro com 598 kg,
reservado, Moura voltou a cumprir nos dois compridos que cravou, para nos
curtos andar irregular. Quis prolongar em demasia o que poderia ter sido tida
como uma passagem discreta, mas a ânsia de se limpar, e incitado por algum
público, levaram-no a contrariar as ordens do director de corrida, que findo o
tempo regulamentar, lhe ‘ recomendava’ a porta dos cavalos como serventia da
casa. A cravagem de sucessivos, e não autorizados, ferros no final da lide, em
nada acrescentaram ao que já se tinha visto. No final, não lhe foi autorizada
volta. Gesto ‘corrigido’, após alguns apupos ao ‘inteligente’, que cedeu a
mostrar o lenço branco ao qual Moura não se fez rogado e passeou pelo areal de
Lisboa, sob uma divisão de opinião vinda das bancadas.
Pablo Hermoso era o mais
aguardado mas teve em Lisboa duas actuações muito modestas e muito similares de
resultados. Frente ao primeiro, de 580 kg, de pouca transmissão e perseguição,
limitou-se a cumprir com a ferragem, nem se podendo exibir muito em ladeios
porque o toiro não correspondia. Tapou a falta de toiro com as ‘hermosinas’ e
os recortes, que resultam por mais mérito dos cavalos do que propriamente pela
relação toiro-montada, que raramente existiu.
Frente ao segundo do seu lote,
com 655 kg, outro manso reservado, o rejoneador teve semelhante labor, ainda assim com
mais sumo, e do qual destaco o terceiro ferro curto. De resto, voltou a tirar
partido (ou não) de uma rês sem mobilidade para evidenciar qualidades equestres
mas longe do fulgor de outras actuações. Cumpridor com a ferragem, e dono de
uma classe poucas vezes encontrada noutros ginetes, Pablo andou ‘limpo’ mas sem
surpreender.
João Moura Jr. sacou partido da
sua jovialidade e do lote que lhe tocou em sorte, para ser o mais consistente e
autor das lides com mais efeito nas bancadas. Frente ao primeiro, com 610 kg, animal
nobre e cómodo, o cavaleiro nunca consentiu a presença dos peões de brega na
arena. Foi ele que recebeu o toiro com uma brega apertada e assim se manteve
toda a lide. Deixou um destacado 2º comprido, para nos curtos incidir num
toureio de distâncias, partindo de tábuas, a cumprir com a ferragem embora nem
sempre cingida no momento da jurisdição.
Frente ao último toiro da corrida
com 642 kg, gordo que perseguia a passo, sendo nobre e voluntarioso, Moura Jr. sentiu-se
mais a gosto. O cavaleiro voltou a fazer uso de um toureio despegado, com cites
de praça a praça, aos quais depois foi encurtando distâncias, sem descurar o
remate das sortes, e sendo realmente meritório o 4º curto e os dois palmitos
que se seguiram. No final deu volta com o ganadero.
Nas pegas a noite teve mais ‘raça’,
ainda que algumas vezes por descuido das fardações em praça.
Pelos Amadores de Tomar pegou
João Serra que não se tendo fechado e saíndo lesionado, foi dobrado por Luís
Campino que viu a rês baixar-lhe a cara na reunião mas consumou com decisão; e
João Oliveira efectivou à quinta com uma pega dura e a aguentar praticamente
sozinho, com tentativas anteriores em que apesar das boas intenções do forcado
da cara, faltou grupo.
Pelo Aposento da Chamusca,
Francisco Montoia concretizou à primeira uma pega em que sofreu um derrote
duro, não tendo a reunião sido a mais ortodoxa e daí levantado a dúvida da sua
efectivação, mas que entendeu o grupo dar por consumada; e Francisco Andrade
que consumou sem problemas à segunda, depois de não ter suportado os derrotes
na primeira tentativa.
Pelos Amadores de Portalegre,
Ricardo Almeida fechou-se bem e à barbela num primeiro intento, com uma pega
rija e tecnicamente perfeita; e António Cary, bem à segunda, depois de ter
caído na cara do toiro ao recuar para o primeiro intento.
Dirigiu a corrida o Sr. Manuel
Gama, que pecou apenas pela falta de consonância aquando da lide do quarto
toiro, assessorado pelo veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva.