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    Crónica Campo Pequeno: "E agora Juli?"

    Não, ainda não foi desta que a Praça de Toiros do Campo Pequeno esgotou esta temporada mas pouco faltou. De qualquer das formas, o sentimento com que se saiu quinta-feira da praça lisboeta extravasa qualquer felicidade adquirida por uma casa esgotada.

    Sentir um ambiente enorme das bancadas e uma entrega total da parte da arena, e melhor que isso, verificar que esta euforia toda não se deveu a um qualquer cavalo empinado a fazer ‘malabarismo’ mas sim, por um matador de toiros, é algo que parece inédito nos tempos que correm em Portugal. E daí a acrescida importância que se dá ao que se viveu na passada quinta-feira à noite no Campo Pequeno.

    Publicitava-se um ‘mano-a-mano’ entre um rejoneador figura e um matador figura, e logo aí pesava a desconfiança: poderia sentir-se competição entre dois artistas de vertentes diferentes? Dos Forcados Amadores de Montemor não lhe desconfiávamos nada, também eles ‘figuras’ cá no burgo e Grupo com mais que condições para partilhar do tão ‘bafejado’ encontro de ‘titãs’. Já as ganadarias foram por ‘encomenda’ ao gosto de cada um dos artistas e ao ‘molde’ do respectivo toureio. E feita a corrida… Sim, sentiu-se competição e ganância de triunfo mas só um passou a Porta.

    Diego Ventura veio a Lisboa disposto a triunfar e sem os habituais ‘excessos’ a que se permite muitas vezes o rejoneio. No entanto nem sempre lhe saíram de feição as vontades, tendo-se destacado essencialmente pela sua primeira actuação. Abriu noite frente a um toiro sério de presença, pertencente à ganadaria Passanha, com 550 kg, que metia bem a cara na perseguição às montadas e que por algumas vezes até se arrancou sozinho à espera que lhe fazia o rejoneador. Ventura fez uso dos quiebros impactantes, muitas vezes pisando terrenos para lá do que podíamos imaginar ser possível sem contudo se deixar tocar, o que empolgou bancadas. Na brega foi eficaz pela forma como a fez parecer fácil, levando o toiro, cómodo, por onde quis e como quis, como se os cavalos lhe fossem capotes ou muletas. Recebeu o seu segundo de garrocha em punho. O toiro, da ganadaria Vinhas com 545 kg, viu-se recolhido aos currais por problemas de locomoção. Em substituição antecipou-se o de Guiomar Cortes Moura, animal com 545 kg, justo de apresentação, manso, e que cedo evidenciou vontades de descair para tábuas, tendência que o luso-espanhol contrariou e novamente insistindo nos quiebros de impacto, sobressaindo o segundo e terceiro curto. Rematou actuação com um par de bandarilhas e dois palmitos em sorte de violino. Saiu-lhe em terceiro lugar, o sobrero da ganadaria Vinhas, 536 kg, que andou quase sempre a passo, com alguns arreões pelo meio mas sem grande transmissão. Ventura consentiu algumas passagens em falso e a meio da actuação honrou o papel de ‘sobressalente’ de David Gomes permitindo que este partilhasse com ele a lide para a colocação de dois ferros. E quando se pensava que de Ventura estávamos arrumados, eis que o rejoneador ofereceu o sobrero Passanha, 585 kg, lidando assim no total quatro toiros. No entanto, pouco ou nada se passou, acabando até por levar alguns toques nas montadas e de onde só ficam dois curtos de registo.

    Nas pegas noite de emoções, fazendo jus, e num cartel ‘espanholado’, ao que de melhor Portugal tem: os Forcados!

    Francisco Borges citou calmo ao primeiro da noite que se arrancou alegre, com o forcado a recuar numa reunião perfeita, onde depois veio a encontrar o grupo coeso e pronto a ajudar. Ainda caiu todo o conjunto mas sem descompor o que viria a ser uma boa pega.

    João Braga citou com galhardia, bateu as palmas e pôs voz no cite mas ao primeiro intento ainda lhe escapou a mão ao reunir e acabou por não suportar os derrotes do toiro. Ao segundo intento, voltou à cara do toiro cheio de valor mas este a defender-se, baixou-lhe tanto a cara que o forcado acabou por não aguentar. À terceira, com ajudas, concretizou.

    Francisco Bissaia Barreto, frente a um toiro que não tinha transmitido nada no cavalo, viu-o na sua pega dar-lhe emoção. O forcado aguentou toda a viagem até tábuas numa pega rija e de boa execução.

    Manuel Ramalho fechou com chave de ouro a presença do Grupo alentejano, sendo autor de uma grande pega, onde suportou violentos derrotes e para o qual foi preciosa a presença do primeiro ajuda na consumação da pega.

    Dizem muitas vezes, principalmente aqueles que tendo outros interesses se querem ‘desculpar’, que em Portugal o Toureio a Pé não ‘funciona’. Pois Juli veio a Lisboa provar que não só ‘funciona’, como tem público, e como se pode ser enorme sem a sorte de varas!

    O toureiro espanhol cedo sentiu o carinho dos portugueses e teve toda uma noite de entrega, valor, arrimo, disposição, poderio, técnica e acima de tudo, respeito! Respeito pela praça, pelos aficionados e toureou em Lisboa como se toureasse na maior praça do Mundo. E quinta-feira, o Campo Pequeno deve ter sentido na verdade ser um Campo ‘maior’ e não ‘pequeno’!

    Praticamente não se distinguiriam as actuações de Juli, porque nas três foi superior. E pese embora a por vezes demasiada nobreza dos toiros – e aqui repito o que disse há uns tempos: Ainda que nobreza seja uma qualidade, a mesma pode dar-se tanto num bravo como num manso. E por isso, pode confundir-se e achar-se um toiro ‘bravo’, aquele que for um animal cómodo, ‘carretón’, mas na verdade um toiro bravo, esse carrega emoção, raça, fiereza...- e ainda que os toiros hoje em dia ‘consintam’ demasiado, a verdade é que Juli dificilmente sairá da memória de quem esteve esta quinta-feira no Campo Pequeno.

    Frente ao primeiro, um toiro de Garcigrande, Juli começou logo de capote a mostrar que vinha para fazer desfrutar. Na muleta, teve duas tandas pela direita que ainda hoje decorrem. E tudo o resto foi um toureiro a reinventar-se, variado, pondo muita entrega no que fazia e a ver a mesma retribuída com grandes ovações. Frente ao quarto da noite, um Domingo Hernandez a quem só faltou dizer ‘senta e dá a pata’, Juli fez dele o que quis. De verdade, o espanhol podia fazer como tantos outros, anunciam-se nos cartéis, recebem o cachet, aparecem na arena, dão uns quantos muletazos e depois, fazem-se ao país deles…mas se lhe perguntarem pelo caminho: “o Campo Pequeno é bonito”, pois claro! Mas Juli não. Juli veio a Lisboa e predispôs-se a tourear. Com mais toiro ou menos toiro, toureou o que tinha. Antes disso, consentiu ao português António João Ferreira que se pudesse mostrar por gaoneras. Um gesto simpático, a um dos nossos que merece mais oportunidades. neste país que agora se diz todo ele ‘aficionado’ ao toureio a pé. Com a flanela, Juli efectuou uma série em redondo, com ligação e mando, deixou-se roçar nos pitons do toiro, numa faena de muita entrega. No final desta actuação, o público brindou Juli com duas voltas. No que (supostamente) fecharia a noite, outro de Domingo Hernández, brilhou de capote com as lopecinas. Depois teve a sorte de que o público lhe exigisse ser ele o autor do tércio de bandarilhas, que cumpriu com mais eficácia que a sua quadrilha no resto da noite. Esteve soberbo numa sorte que raramente lhe vamos vendo praticar nas suas actuações. E digo teve a sorte, porque a falta de raça do animal não lhe permitiu tanto luzimento depois na muleta, consentindo alguns enganchões e desarmes, com os passes mais decompostos e menos ligados. Ainda assim, um Juli superior ao oponente. E foi por esta superioridade, por esta dedicação toda a noite a Lisboa, que no final da actuação três voltas lhe foram concedidas.

    Garantia-se assim o regresso da abertura da Porta Grande!

    No final, uma saída apoteótica perante gente aos gritos de ‘Torero, torero’… E só faltou pegarem nele e levarem-no até ao hotel pelas ruas de Lisboa como antigamente… 

    O Campo Pequeno precisava deste impulso, o Toureio a Pé precisava desta reafirmação, a Tauromaquia precisava desta ‘magia’.

    E mais do que aquilo que foi feito na arena, fica-nos aquilo que ecoou no momento após a corrida e no dia seguinte, e que ecoará amanhã e por aí fora… Juli meteu meio Mundo de aficionados portugueses a falar de Toureio a Pé!

    Dirigiu a corrida com alguma exigência no que tocou ao cumprimento do regulamento, o sr. Pedro Reinhardt, fazendo soar sem medos os ‘avisos’, como quando o sobressalente do rejoneador saiu ao ruedo sem lhe pedir autorização ou quando, não tendo concedido volta a Ventura no ‘de regalo’, este mesmo assim a deu… Havendo menos coerência no que tocava ao momento de conceder música, aliás bem executada pela Banda do Samouco.

    No início da corrida foi feita uma homenagem pelos 60 anos de toureio do Maestro Mário Coelho. Justa mas não honrada por nenhum dos intervenientes que nada lhe brindaram. E foi feito um minuto de silêncio pelos recentemente falecidos, o picador Rafael Trancas e o crítico, João Mascarenhas.

    E agora Juli? Está o Toureio a Pé em Portugal salvo dos seus males?

    Bem…passada que está a corrida e parte da euforia do momento, fica a dúvida se a reacção das bancadas ao toureio a pé teria sido a mesma se acaso em vez do nome López, estivesse um Ferreira, um Casquinha, um Velásquez ou um Gomes, por exemplo… Mas para isso teremos que esperar para ver se algum deles põe a sapatilha na arena do Campo Pequeno este ano!

    E isso é que será fazer pelo toureio a pé nacional…mas por enquanto, continuemos a sonhar com a Porta Grande de El Juli!

    Pois também merecemos sonhar…