Reportagem da Corrida de Toiros no Campo Pequeno
Campo Pequeno, 17 de Junho, 2010
Fotografia
Por: Pedro Batalha
Crónica
Por: Patrícia Sardinha
"Pensava eu que ia à bola…"
Fotografia
Por: Pedro Batalha
Crónica
Por: Patrícia Sardinha
"Pensava eu que ia à bola…"
Há dias em que a vida nos surpreende. Ontem, quinta-feira, foi um desses dias. Cheguei à Praça de Toiros do Campo Pequeno e por momentos pensei: “Querem ver que estou enganada e vim ter ao Estádio da Luz?”. A emblemática e histórica Porta Grande do Campo Pequeno transformada em ecrã gigante dos jogos do Mundial de Futebol. Confesso, que desilusão. Uma vez mais a Tauromaquia a submeter-se aos devaneios do Futebol. Não sei o que parecerá aos restantes aficionados, mas a mim, que considero a Praça de Toiros do Campo Pequeno um monumento, foi uma ofensa. Entrei na Praça com o pensamento que só faltava o resultado da corrida ser igual ao primeiro jogo da nossa Selecção, apático, sem golos e sem ambição. Puro engano!
Mais de meia casa de lotação num espectáculo que foi televisionado, é pouco para quem financeiramente depende do espectáculo e para quem pretende transmitir uma imagem de força e união da Festa Brava, mas é muito quando se atravessa uma crise económica e quando muitos ditam a morte e falta de apoio a corridas que incluem matadores. Puro engano!
Ao contrário do anunciado, não se lidou uma só ganadaria mas sim duas, se bem que o proprietário é o mesmo. Os toiros de São Torcato ficaram destinados às actuações a pé e os acrescidos Pinto Barreiros às lides a cavalo. António Ribeiro Telles e Manuel Lupi encarregaram-se da parte equestre e para o toureio a pé os matadores espanhóis Francisco Rivera Ordoñez e António Ferrera. Para as pegas o Grupo de Forcados Amadores de Coruche.
Iniciou-se a noite com a lide a duo entre António e Manuel, frente a um toiro de Pinto Barreiros com 580 kg, de pouca força, que viu esse defeito ser acentuado pelo desequilíbrio de ser lidado por dois cavaleiros. Mais uma vez provou-se que estas actuações a duo pouco ou nada acrescentam ao espectáculo. São desconcertantes, desmotivantes e desajustadas. E os toiros são subaproveitados.
António Ribeiro Telles teve pela frente um toiro de Pinto Barreiros com 560 kg que custava a fixar o que tardava as sortes. Correcto na ferragem comprida, com os curtos, António esteve por cima da rês, que não se entregou mas que ainda assim permitiu ao cavaleiro efectuar sortes frontais, indo acima do toiro e cravando com acerto os ferros curtos.
A Manuel Lupi tocou em sorte um toiro de Pinto Barreiros com 540 kg que dificultou a actuação do jovem cavaleiro por ser distraído, fugindo para tábuas mas que Lupi também não compreendeu insistindo nas batidas ao piton contrário que resultavam em passagens em falso. Teve labor na escolha dos terrenos e a sacar o toiro da querência mas a irregularidade da ferragem ofuscou.
O grupo de Forcados Amadores de Coruche não teve uma noite fácil. O cabo Amorim Ribeiro Lopes viu desfeita a primeira tentativa depois do toiro ensarilhar e com o seu primeiro ajuda a cair mal e ter que ser levado para a enfermaria. No seu segundo intento voltou a faltar-lhe braços e também ele a sair lesionado. Só à terceira consumou com boas ajudas. Ricardo Dias concretizou à primeira a sua pega. E António Macedo à segunda tentativa a aguentar bem a investida do toiro e com boas ajudas que falharam no primeiro intento.
Mas definitivamente esta noite não era para o toureio a cavalo e isso demonstrou-se logo com a primeira actuação do toureiro do ‘corazón’, Francisco Rivera Ordoñez, agora Paquirri em homenagem ao seu pai, frente ao melhor toiro da noite com 510 kg. Vulgar de capote, exibiu-se nas bandarilhas e na muleta ao som da Banda do Samouco com o novíssimo e bonito pasodoble Arte e Emoção, Francisco foi efectuando uma faena em crescendo aproveitando as qualidades da rês que tinha raça e transmitia. No entanto faltou temple, faltou lentidão ao espanhol. Às vezes não se pode ter tudo, ‘o pássaro pode ser muito bonito mas cantar mal’, no entanto o som de Fran, não sendo melodioso, chegou às bancadas e num país em que o toureio a pé é tão mal tratado, isso é o mais importante, que o som se faça ouvir. Se na volta à arena da sua primeira lide foi mimado com dezenas de rosas, na sua segunda actuação foi brindado com os espinhos. O toiro que lhe tocou, malvisto, com 475 kg cedo demonstrou o seu desinteresse no capote. No tércio de bandarilhas, Francisco não cedeu à pressão do público que o queria ver bisar nesta sorte e passou os papéis aos seus bandarilheiros que fizeram má figura. Com a flanela pouco resta para dizer sobre um toiro manso que fugia para tábuas, um toureiro que corria atrás dele e que não estando para perder mais tempo, deu por finda a sua passagem por Lisboa.
António Ferrera veio ao Campo Pequeno brilhar. Primeiro frente a um toiro com 470 kg esteve regular de capote e nas bandarilhas levantou as bancadas com a sua espectacularidade. Com a muleta andou muito disposto com um toiro que tinha génio e foi desenvolvendo uma faena de muita cabeça, com muita raça. A ganância (no bom sentido) de Ferrera na arena é tanta, que se reflecte em entusiasmo e alegria nas bancadas. No seu segundo toiro, com 475 kg, temeu-se que seguisse a estirpe do segundo do lote que tocara a Rivera Ordoñez, mas se era…Ferrera transformou-o. Voltou a ser poderoso nas bandarilhas e com a muleta dobrou o oponente com passes ligados, templados, circulares invertidos e um natural…e como aquele natural fez eco em Lisboa. Atrevo-me a dizer, já que Olivença era portuguesa e passou a ser espanhola, então Ferrera sendo espanhol que passe a ser português, pois o extremeño deu aos portugueses a entrega, a raça, o valor e a disposição que falta ao nosso toureio a pé. Em Portugal se fez toureiro, pois de Portugal seja toureiro! Estas actuações de Ferrera foram também a bofetada de luva branca aos empresários que continuam a dizer que por cá o toureio a pé não rende e que as mistas têm os dias contados.
Dirigiu o espectáculo o antigo matador Júlio Gomes com alguma benevolência na concessão de música assessorado pela veterinária Francisca Claudino num espectáculo com bom ambiente e onde o toureio a pé foi rei. E aquele pensamento de que a corrida seria mais uma entre tantas, foi puro engano, Ferrera marcou os golos da vitória do Toureio a Pé que faltaram a Portugal no Futebol!